O ex-deputado e advogado Fábio Trad fala sobre seu primeiro livro, que lança nesta semana

Fábio Trad: “Na política, a ação ideológica para a realização de um fim; na literatura, o compromisso com a arte e o arrebatamento” – Marcelo Victor

Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. A máxima do poeta cubano José Martí (1853-1895), que metaforiza ritos de passagem para o que pode ser entendido como a plena realização pessoal de qualquer indivíduo, está prestes a ser literal e literariamente concretizada pelo advogado e ex-deputado federal Fábio Trad.

“Se for esta a sentença, na próxima quinta-feira completo a missão”, afirma ele, sem esconder o sorriso, em alusão à agenda programada para as 18h desta quinta-feira, quando receberá, no escritório que mantém na Rua Pernambuco, os convidados para o lançamento do seu primeiro livro.

À frente da Gerência de Auditoria e Controle da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) desde de fevereiro de 2023, Trad segue filiado ao Partido Social Democrático (PSD). As informações mais recentes da resenha política dão conta de que o ex-parlamentar é o grande objeto de desejo do Partido dos Trabalhadores (PT) nesta temporada.

De olho no seu fortalecimento, tanto em Mato Grosso do Sul quanto em nível nacional, a legenda do presidente do Lula quer Trad para si. Enquanto o cortejo do PT em torno do político e de seu capital eleitoral segue em aberto, Trad foca, não sem mistério para quem pergunta, a emergente carreira de escritor. Nem o nome da obra que marca sua estreia literária o advogado e ex-deputado de 54 anos revela durante a conversa.
“Só no dia do lançamento [risos]. Estou cobrindo o título com um manto de mistério para realçar o seu total compromisso com o lirismo e a ficção, se bem que há passagens que visitam temas polêmicos, porém, sem conotação política ou jurídica”, afirma o novo autor, que classifica o seu primeiro volume como “uma coletânea de contos, crônicas e noveletas. Um passeio despretensioso pelo labirinto da memória,com foco especial nas minhas impressões sensoriais”.

Um trechinho, para ilustrar a reportagem, de umas das histórias criadas pelo campo-grandense formado em Direito no Rio de Janeiro e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)? Também nem pensar.
O sigilo é quase absoluto. Trad só revela, e a muito custo, o título e mais ou menos o tema de alguns dos textos: “O Caso do Copo”, um conto de suspense com pegada espírita; “O Dente Sumiu”, que versa sobre “o meu primeiro porre na juventude”; e “O Orgasmo de Críton”, que pode ser definido, a partir do pouco que é dito pelo escritor, como uma espécie de exercício de crítica cultural de corte geracional. Na filosofia grega, Críton é o personagem, retratado por Platão no livro de mesmo nome, que conversa com Sócrates sobre a justiça.

LITERATURA SINCERA

Sobre a motivação que o leva, além de trilhar o caminho das letras, ao desejo de publicar o que escreveu, o controlador-auditor da Embratur não divaga em meias palavras. “Não encontrei razões para engavetar esses textos e julguei que o ato de publicar seria um gesto de generosidade com o meu esforço de, ao menos, tentar fazer uma literatura sincera”, comenta.

“O leitor encontrará historietas e pequenos textos impregnados de lirismo e, por vezes, comicidade. É, na verdade, um mosaico de sensações que dialogam com a melancolia, o saudosismo sadio, a nostalgia feliz, a surpresa do imprevisto, etc. Se eu conseguir do leitor um fugaz sorriso de identificação ou mesmo o assombro de uma vivência coincidente, eu me darei por satisfeito”, diz Trad.

O advogado encara com despojamento a expectativa sobre o que vai ouvir dos seus futuros leitores. “Meu esforço é visceralmente despretensioso. Só espero que abram e leiam. E se não apreciarem, paciência… Foram meses de paciente e disciplinada produção sem nenhum sacrifício que não me causasse prazer por estar escrevendo com a alma sossegada e a inspiração latejante”, afirma Trad, que é daqueles que gostam de escrevinhar pelos primeiros momentos do dia.

“Escrevo bem cedo, após uma generosa xícara de café. Antes de escrever, porém, espero o passarinho pousar no meu ombro e cantar. Não é nenhum processo mágico, mas tem um aspecto transcendental, sim. Escrevi contos que eu mesmo senti o sentimento dos personagens: medo, ansiedade, tristeza, sensualidade, culpa e redenção”, conta o ex-deputado.

POESIA E POLÍTICA

Ele afirma não ter passado aperto de agenda, na atual rotina de suas atribuições no governo federal, para poder escrever. E muito menos padeceu de uma eventual interferência do Fábio Trad político durante o processo criativo. “Não tive que despender o mínimo esforço para abafar o político no lugar do escritor. Ambos convivem pacificamente e até se alimentam mutuamente”, diz o advogado.

Do mesmo modo, o desafio de levar ao papel o que se passa na imaginação também é visto com leveza. “Senti-me inteiramente à vontade em arriscar. Não me privei do processo. Busquei paragens diversas da realidade visual e me permiti aventurar-me no mistério da criação. Escrevi porque aprendi a não ter medo da literatura. Ela é humana e, como tal, pertence a mim e a todos”, filosofa o autor, que sofreu mesmo foi na hora de selecionar os textos que iriam para o prelo.

“Sim, este realmente foi um trabalho penoso. Escrever, reescrever, rever, suprimir, adicionar, transformar e inverter. Ao final, a obra expressa de forma satisfatória o resultado deste diálogo interno entre quem escreveu e o crítico implacável da consciência. Estou tranquilo. Não escrevi pensando no leitor como meio, mas como fim em si mesmo”, diz Trad, para quem o fato de atuar na política, uma vez mais, não condicionará a recepção da obra.

“Não interfere. Ambos são compartimentos estanques. Na política, a ação ideológica para a realização de um fim, na literatura, o compromisso com a arte e o arrebatamento”, afirma o advogado, contrariando o que diz o jornalista Paulo Martins, personagem vivido por Jardel Filho no longa-metragem “Terra em Transe” (1967), um dos mais emblemáticos do diretor Glauber Rocha (1939-1981): “A poesia e a política são demais para um só homem”, vaticina Martins no filme.

ESTILO E REFERÊNCIAS

Quanto à opção por textos mais curtos, o advogado diz que ainda se trata de uma descoberta bem recente. Grande parte do que está no livro de estreia foi escrita nos últimos meses, desde o ano passado. “Estou me descobrindo nesse sentido, mas já percebo que fico mais à vontade pensando em forma de contos e crônicas. Não me desfiz da dificuldade de cerzir longos e detalhados tecidos narrativos. Prefiro o som das marteladas secas e certeiras”, poetiza.

“Meu estilo é a síntese de tudo o que li e aprendi em literatura. Não há referência específica, mas certamente sou o resultado de muitas influências que me marcaram: Machado de Assis [1839-1908], Tchekhov [1860-1904], Luis Fernando Verissimo, Nelson Rodrigues [1912-1980], Clarice Lispector [1920-1977], Herman Melville [1819-1891] e tantos outros”, sintetiza o autor. Mas qual desses nomes mais lhe arrebata, Fábio?

“Clarice Lispector, sem dúvida, tudo dela”, responde despachadamente e com ênfase. “O mergulho nas profundezas psicológicas de seus personagens me deixa atônito. Ela não pensava com palavras e ideias, mas com algum material ainda indecifrável aos comuns mortais. Outro que me arrebata é Manoel de Barros, pela sua capacidade de nos espantar com tanta beleza original”, emenda Trad.

“O AVESSO DA PELE”

Embora ainda não tenha lido “O Avesso da Pele” (2020), de Jeferson Tenório, Trad não se furta a comentar o recente episódio de censura, em vários estados, ao romance que deu ao autor carioca, radicado em Porto Alegre (RS), o Prêmio Jabuti. O livro também foi recolhido das escolas da Rede Estadual de Ensino, por ordem do governador Eduardo Riedel (PSDB).

“Começa com ‘O Avesso da Pele’, depois normaliza com outras criações e pronto: a censura retomará sua agenda de acordo com a pauta hipócrita dos ‘puritanos’ mundanos que, sobretudo na política, frequentam quase todos os artigos que descrevem os crimes contra a administração pública. Só que o fazem sem ninguém ver ou de forma que muitos não queiram ver, por cumplicidade”, afirma o advogado e ex-deputado.

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