Santos Cruz: ”O que prejudica o governo é a interferência dos radicais”

Militar com 48 anos de caserna, general Santos Cruz diz não se abalar com ”baixarias” e ”tiroteios do Twitter”. E é categórico em relação aos nostálgicos do AI-5: ”Isso aí é desconexão com a realidade. É caso clínico. Tem que levar ao psicólogo”

”Tem gente que criminaliza tudo, chama o Congresso todo de marginal. E não é nada disso. É uma instituição que tem seus problemas, como todos os grupos têm, como as famílias têm. Tanto que aprovou a Previdência em 2019”(foto: Minervino Junior/CB/D.A Press )

Abatido em pleno voo pelo gabinete do ódio que influencia o Planalto, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz constatou que a artilharia de grupos radicais não se limita aos conflitos armados, tal como vivenciou nas missões da ONU no Congo, país africano mergulhado em longa guerra civil. Os torpedos compartilhados na internet pelos radicais bolsonaristas que o derrubaram da Secretaria de Governo da Presidência, em junho de 2019, ainda provocam estrago em reputações e tumultuam o ambiente republicano. Na semana passada, Santos Cruz se manifestou contra um post no qual aparece a imagem de quatro generais, atualmente na reserva e lotados no Palácio do Planalto, vestidos de farda militar. “Isso aí não pode. Você está iludindo a população de que a instituição está bancando. Não é assim”, criticou Santos Cruz nesta entrevista ao Correio. O extremismo assume essa proporção, em parte alimentado pelo próprio estilo “explosivo” do presidente Bolsonaro, de seus ministros e seguidores mais exaltados. Mas, segundo o general, a sociedade brasileira está farta de tanta polarização: “O povo quer tranquilidade e desenvolvimento”. Militar com 48 anos de caserna e chefe da maior missão de combate realizada pela Organização das Nações Unidas, Santos Cruz diz não se abalar com “baixarias” e “tiroteios do Twitter”. E é categórico em relação aos nostálgicos do AI-5: “Isso aí é desconexão com a realidade. É caso clínico. Tem que levar ao psicólogo”.

 

Como o senhor avalia o veto ao trecho da lei que concede mais poder para parlamentares em relação às emendas impositivas?
Existe essa disputa sobre parte do orçamento. E eu acho que o veto deve ser mantido. Tenho conhecimento de como funcionam as emendas parlamentares. Tem as impositivas, as que não são impositivas. Todo esse bolo dá uma boa base para os parlamentares fazerem a sua política local. No nosso sistema é importante que o Executivo tenha uma parcela forte de recurso para poder implementar aquilo que ele pensa. A disputa é essa.

A disputa entre o Palácio do Planalto e o Congresso se concentra então em cima do orçamento?
Neste momento, sim. Mas tem sempre muitas pautas.  Toda essa agitação é em torno desse veto. Agora, está havendo uma agitação muito grande, mas não tem nada de excepcional. Isso daí vai ter que ser discutido este ano outras vezes e no ano que vem, também. Discussão entre Executivo e Legislativo é normal. Toda semana tem. Ou é legislação, ou é o pacote do Moro. Mas o clima esquentar é normal.

Concorda com a tese de que temos um parlamentarismo branco?

Não. Essa é só a questão do orçamento. E isso vai ser resolvido. Achar que o Congresso, e o próprio presidente, não estão acostumados com discussão difícil… Eles estão acostumados. Isso não tem segredo nenhum. A dinâmica da democracia é assim mesmo. Vocês viram que nos Estados Unidos o presidente sofreu um processo de impeachment. O que aconteceu? As instituições funcionaram. Ele perdeu na Câmara, ganhou no Senado. Na imprensa, alguns são a favor, outros contra. E a vida segue. Instituição forte é o que faz democracia. E democracia é feita neste jogo todo de pressão. Então estamos vendo essa retórica toda, onde um fala mais forte, fala mais alto. Mas isso faz parte de todo esse contexto. Quantas vezes vimos alguém se exaltar na Câmara? No final vai dar tudo certo. As instituições não vão parar por causa disso.

Então não era motivo para fazer a convocação do dia 15 de março?
A convocação tem outro componente. Temos que voltar algumas eleições. A eleição da Dilma Rousseff foi uma eleição absolutamente convencional, de grande mídia, de marqueteiro. Quatro anos depois, mudou tudo. Se entrou em um sistema onde a mídia social passou a ser a estrela da festa.  Então a participação popular se tornou completamente diferente. E aqueles grupos que participaram de eleição de campanha estão, ainda hoje, com a mesma energia. São pequenos grupos, mas que continuaram na mesma dinâmica de eleição. O presidente não, no outro dia, ele tem uma responsabilidade muito grande. Ele tem que deixar a eleição e passar a governar. Mas aqueles grupos de sustentação, principalmente aqueles de caráter ideológico mais radical, continuam com a mesma dinâmica.

Que grupos são esses?

Se você observar em grupos de WhatsApp, você continua recebendo propagandas, montagens daquela época. Esses grupos vão continuar. Você tem pouquíssima gente, mas de ideologia muito acirrada. Onde aquilo que não é a seu favor é criminalizado.

Existe um movimento para manter o clima de eleição vivo?
Não é isso. Mas é fanatismo ideológico. Então, hoje tem um componente externo que acaba fazendo pressão. Temos grupos de pressão. Na democracia tudo funciona com núcleos de poder. Na democracia tem o Legislativo, Executivo, Judiciário, a imprensa, o Ministério Público. E hoje temos mais um, que é a mídia social.Você tem de tudo na mídia social. Tem gente que colabora com uma ideia. Tem gente que criminaliza tudo, que quer chamar o Congresso todo de marginal. E não é nada disso. É uma instituição que tem seus problemas, como todos os grupos têm, como as famílias têm. E tem gente boa, que não é tão eficiente, mas é uma instituição que funciona. Tanto que aprovou a Previdência no ano passado.

A crise é alimentada por esses radicais?
A Previdência foi aprovada em um governo que está sem base parlamentar. A realidade não é isso que esse pessoal fica retratando aí, não. Não estamos na beira do precipício, não é nada disso. Com relação ao orçamento, tenho certeza de que o Congresso vai perceber. E tem outras coisas para se negociar em política. O que não pode é achar que aquele que cedeu perdeu. Não é assim em política. Ninguém perdeu nada. Não é uma guerra de vitória e derrota. Se for encarar a política deste jeito, a   administração pública está perdida. Mas onde que entra todo esse contexto de catástrofe? Porque é uma enxurrada de pressões. A retórica deles, do próprio presidente. O estilo dele, o estilo do filho.

 

Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/03/02/interna_politica,831467/santos-cruz-o-que-prejudica-o-governo-e-a-interferencia-dos-radicai.shtml

 

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