CGU impede divulgação de dados de redes sociais da gestão Bolsonaro

O Planalto colocou os documentos sob sigilo

A Controladoria-Geral da União (CGU) impediu a divulgação de relatórios de monitoramento de redes sociais realizados pela gestão Jair Bolsonaro no ano passado. Em dezembro, o jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o Planalto colocou os documentos sob sigilo alegando que sua liberação violaria a lei de direitos autorais, justificativa rechaçada por especialistas em Lei de Acesso à Informação (LAI).

A negativa da CGU, inclusive, contraria opinião técnica produzida por uma auditora fiscal que deu parecer positivo para a liberação dos documentos, alegando que a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) falhou em apresentar razões para evitar a divulgação dos relatórios.

O recurso foi solicitado pelo Estado à CGU em dezembro do ano passado e teve resposta na última quinta-feira, 27. Em decisão, o ouvidor-geral adjunto da União Fábio Valgas da Silva determina que os documentos não sejam divulgados, atendendo pedido da Secom. O governo Bolsonaro monitora o “humor” de usuários de quatro redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e Youtube.

A secretaria do Planalto alega que os relatórios são documentos preparatórios que podem subsidiar peças publicitárias que ainda serão produzidas e tomadas de decisões futuras, mas sem especificar quais e quando tais ações seriam realizadas. À CGU, a pasta não mencionou a tentativa anterior de impor sigilo alegando violação à Lei de Direitos Autorais.

A LAI classifica como preparatório qualquer relatório, despacho, ofício ou minuta que contribua para a elaboração de política pública específica do governo. Tais documentos se tornam públicos no momento em que o ato do governo é noticiado pela União.

De acordo com especialistas ouvidos pelo jornal que tiveram acesso aos pareceres da CGU, a argumentação da Secom não aponta quais ações publicitárias ou políticas públicas estão sendo elaboradas a partir dos relatórios e como a divulgação pode prejudicar as decisões do governo.

“Se é um documento preparatório, é para uma decisão específica e ele vai ser divulgado assim que a decisão for tomada. Mas se não existe uma decisão, não há justificativa plausível para que esses documentos fiquem sob sigilo”, afirma Joara Marchezini, coordenadora da Artigo 19, ONG voltada para a defesa do acesso à informação.

Segundo Marchezini, a argumentação da Secom não encontra embasamento na LAI visto que impede a divulgação de documentos produzidos por uma empresa paga com dinheiro público. O contrato, firmado em 2015 pela ex-presidente Dilma Rousseff e mantida pelo governo Bolsonaro, repassa entre R$ 18 mil a R$ 41 mil à agência de publicidade Isobar pelo serviço.

Análise semelhante foi feita pelo professor Gregory Michener, coordenador do Programa de Transparência Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo ele, é “problemático” o fato da Secom não ter apresentado uma justificativa clara sobre quais ações específicas o governo utilizaria os relatórios para tomadas de decisões.

“Se eles não têm uma razão para manter os documentos neste estado perpétuo de ‘limbo preparatório’, devem dar uma resposta clara justificando o que e quando vão ser tomadas essas ações”, afirma Michener.

Procurada pela reportagem para comentar o caso, a Secom não respondeu até a publicação deste texto. O espaço segue aberto a manifestações. A Isobar, responsável pela elaboração dos relatórios, não quis comentar.

Decisão contraria parecer

A negativa da CGU para a divulgação dos relatórios de monitoramento contraria parecer opinativo de uma servidora do próprio órgão. Em outro recurso anônimo movido em agosto do ano passado para a liberação dos mesmos documentos, a auditora federal de finanças e controle Liana Cristina da Silva aponta que a Secom não indicou qual ato ou processo de decisão específico seria afetado pela divulgação dos relatórios.

Em seu despacho, a servidora opina à ouvidoria-geral da CGU pela divulgação dos documentos. “Opina-se pelo provimento dos relatórios de análise das redes sociais para o ano de 2019, uma vez que não ficou comprovada a alegação para a negativa apresentada pelo órgão quanto a representarem documentos preparatórios, prevalecendo que se tratam de informações de origem pública, eis que obtidos das redes sociais como produto de contratos públicos”, aponta a auditora-fiscal.
A manifestação, no entanto, foi contrariada em despacho do ouvidor-geral adjunto, Fábio Valgas da Silva. Em sua decisão, o ouvidor diz ter feito “nova interlocução” com a Secom e, mesmo recebendo as mesmas justificativas analisadas anteriormente, optou por negar a divulgação dos relatórios.

Segundo ele, o princípio da máxima divulgação deve observar o critério de “expectativas dos administrados, pois, muitas vezes, uma informação incorreta ou incompleta pode causar grandes transtornos” e, por essa razão, é necessário “cautela” para “zelar pela confiança dos administrados”, no caso, a Secom.

Não é dito, contudo, quais transtornos poderiam ser ocasionados pela divulgação dos documentos por parte do Planalto.

De acordo com Marchezini, da Artigo 19, o ouvidor-geral adjunto tem o direito de discordar do parecer opinativo, desde que justificado. “Neste caso, a gente vê que o parecer técnico traz argumentos da LAI, mas a decisão do ouvidor não conversa diretamente com isso. Ele fala de outros pontos que não foram levantados pelo parecer técnico e que são mais suposições”, afirma.

O parecer técnico é opinativo e não vinculante, ou seja, a ouvidoria-geral não é obrigada a cumprir a manifestação da parecerista. Segundo Bruno Morassuti, mestre em direito e consultor da Fiquem Sabendo, agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação, o cargo de ouvidor, mesmo com todos os requerimentos técnicos, ainda detém um aspecto político maior do que os demais servidores.
“O ouvidor conversa mais diretamente com agentes políticos envolvidos no processo do que os outros servidores. A auditora que fez o parecer e fez as perguntas para a Secom conversa com servidores da Secom”, explica Morassuti. “Não é tão comum a auditora conversar com ‘agentes de cima’”

Procurada para comentar a divergência de opiniões, a CGU afirma que em nenhum dos dois pareceres mencionados pela reportagem foi ignorada a opinião dos pareceristas e que as decisões explicitam seus fundamentos.

Defesas

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Especial de Comunicação e aguarda resposta. O espaço está aberto a manifestações. A Isobar não quis comentar o caso.

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