Na favela, Deus quem vai proteger do coronavírus, diz comunidade
A Favela do Mandela está encravada no meio do bairro Izabel Garden, região norte de Campo Grande. É um microcosmo cheio de gente diferente, lutando por uma vida minimamente digna, apesar da preocupante condição de vulnerabilidade na qual vivem.
Chama a atenção o senso de comunidade dos moradores. Do momento em que chegamos, até irmos embora, sempre contamos com alguém nos acompanhando e apontando o eventual drama de cada morador.
Adrielly da Silva, mãe de três filhos, só tem notícias do coronavírus pela televisão ou por meio daquilo que chega no whatsapp. A preocupação dela, e de muitos moradores, parece ser proporcional aos reflexos causados na prática pela doença, na vida cotidiana mesmo.
Por exemplo, Adrielly se atentou mais a gravidade do cenário, depois que as aulas municipais foram suspensas pelo prefeito Marquinhos Trad. Antes, existia uma distância maior entre os desdobramentos nacionais e internacionais e o dia a dia dela.
“Agora estou evitando deixar meus filhos em qualquer lugar, eles estão ficando mais em casa”, afirma a moradora, informando a única medida tomada até o momento.
As crianças são menos afetadas pelo novo coronavírus por razões ainda desconhecidas pelos cientistas, mas são igualmente infectadas, além de serem vetores da doença, o que explica o fechamento de escolas em vários países.
“O álcool em gel está quase o preço de um botijão”, diz Francielly Gabriela ao explicar a razão pela qual ainda não comprou o produto doméstico mais eficaz para assepsia das mãos.
Francielly também reclama da falta de orientação presencial ou específica do poder público. Para ela, isso é necessário pois o modo como a comunidade vive é mais propenso ao alastramento caso alguém contraia. “Aqui temos muitas crianças brincando na rua o tempo todo, pegando em tudo, muita gente doente, idosos, se um vírus desse chega aqui, só Deus na causa”.
Renata Ana dos Santos, mãe do Davi Lucas de dois aninhos, que tem deficiência intelectual, se exaspera não só pelo falta de assistência no local, mas pelo fato de não encontrar produtos de esterilização nos postos de saúde. “Fui em dois postos e não tinha mais álcool em gel e nem máscaras”.
Renata admite, então, que fez algo não recomendado pelos especialistas pela total ineficácia e riscos à saúde: o álcool em gel caseiro. “Vi na internet como se faz e fiz. Estou usando nas mãos e nos braços”. Claro que explicamos para Renata quais poderiam ser as implicações daquela atitude, baseado em nossas conversas diárias com especialistas. Renata se comprometeu a deixar de usar.
Dentro do grupo de risco está o espirituoso seu Jorge, de 62 anos. Dono de uma risada falhada, alta e longa, Jorge Cristiano Cristiano Souza, a despeito de estar acompanhando as notícias, diz não estar preocupado. “É uma coisa que não tem solução, a gente tem que conviver com ela (a doença), e que atinge todo mundo, rico e pobre”.
Ao que seu Jorge responde: “A senhora acredita em Deus? Já leu a bíblia? Tá tudo lá em apocalipse. É pra todos”, se referindo ao livro da bíblia que aborda o fim do mundo. O fatalista seu Jorge também é hipertenso, vulnerável duplamente, portanto.
Bem mais preocupado que Jorge está seu Flávio Pereira de 65 anos. Dono de uma borracharia na frente da favela, o morador está aflito por não conseguir fazer a limpeza correta das mãos. “A gente não pode parar de trabalhar, né? Então toda hora estou mexendo com graxa, coisa suja, fica difícil passar álcool na mão”.
O borracheiro também está evitando ir ao centro da cidade. “Ia no banco hoje, nem vou para evitar aglomeração.
Nos despedimos de Flávio depois da breve entrevista quando, com carro já em movimento para irmos embora, ele nos faz um sinal. Paramos, ele corre cerca de 10 metros para nos alcançar e diz: “Olha meu filho, bota aí na sua reportagem que é Deus quem vai nos proteger, que é Deus quem protege essa comunidade, mais ninguém”.
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