Qui pourra te dire combien je t’aime

Qui pourra te dire combien je t’aime
Rosildo Barcellos

Entrei apressado e com muita fome no restaurante. Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, pois queria aproveitar os poucos minutos de que dispunha naquele dia atribulado para comer e planejar minha viagem de férias, que há tempos não fazia.
Pedi um filé de salmão com alcaparras na manteigae fatias de “The Pule”, uma salada e um suco de graviola, e açúcar mascavo, pois afinal de contas fome é fome. Era meu aniversário, mas desta vez iria passar sozinho. Então depois de pedir, fui até o carro para pegar o meu notebook e saber das novidades, momento que entre um passo e outro, levei um susto com uma voz baixinha atrás de mim:
-Tio, dá um trocado?
– Não tenho, respondi.
– Só uma moedinha para comprar um pão.
– Está bem, compro um para você. Acabei de pedir um lanche, você espera comigo lá dentro (não deve ser portador da síndrome de Prader-Willi – pensei comigo)
Entrei e comecei a acessar o que havia de meu interesse. Para variar, minha caixa de entrada estava lotada de e-mails. Fico distraído vendo poesias, as formatações maravilhosas. Ah! Essa música … boas lembranças de tempos idos.
– Tio, pede para colocar margarina e queijo também?
Percebo que o menino tinha realemnet entrado e ficado ali.
– Estou muito ocupado, tá? Espera a moça de cabelinho vermelho, a gentil atendente.
Chega a minha refeição e junto com ela o meu constrangimento. Faço o pedido do menino, e a garçonete sorridente, me pergunta se quero que mande o garoto “circular”. Meus resquícios de consciência me impedem de dizer. Aceno com a cabeçça como se dissesse: “ está tudo bem!”
– Deixe-o ficar. Traga o pão e mais uma refeição .
Então o menino se sentou à minha frente e perguntou:
– Tio, o que está fazendo?
– Estou lendo uns e-mails.
– O que são e-mails?
– São mensagens eletrônicas mandadas por pessoas via Internet.
Sabia que ele não iria entender nada, mas a título de livrar-me de maiores questionários disse:
– É como se fosse uma carta, só que via Internet.
– Tio, você tem Internet?
– Tenho sim, é essencial no mundo de hoje.
– O que é Internet, tio?
– É um local no computador onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, trabalhar, aprender. Tem tudo no mundo virtual. Inclusive namoro e nem precisa ser na mesma cidade.
– E o que é virtual, tio?
Resolvo dar uma explicação simplificada, novamente na certeza que ele pouco vai entender e vai me liberar para comer minha refeição.
– Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos pegar, tocar. É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que fosse.
– Legal isso. Gostei!
– Entendeu o que é virtual?
– Sim, tio, eu também vivo neste mundo virtual.
– Não imaginava que tivvesse um computador, ou um tablet?
– Não, isso eu sei que não tenho, mas meu mundo também é desse jeito … “Virtual.” Minha mãe fica todo dia fora, só chega muito tarde, quase não a vejo. Eu fico cuidando do meu irmão pequeno que vive chorando de fome, e eu dou água para ele pensar que é sopa. Minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo, mas eu não entendo, pois ela sempre volta com o corpo. Meu pai está na cadeia há muito tempo. Mas sempre imagino nossa família toda junta em casa. Isto não é virtual, tio?
Fechei meu notebook, não antes que as lágrimas caíssem sobre o teclado.
Esperei que o menino terminasse de literalmente ‘devorar’ o prato dele, paguei a conta e dei o troco para o garoto, que me retribuiu com um dos mais belos e sinceros sorrisos que eu já recebi na vida, e com um ‘Brigado tio, você é legal!’. Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo insensato, frio e calculista; em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel rodeia de verdade, e fazemos de conta que não percebemos. E olha que eu pensei que as mortes por Covid resolveriam isso. Mas talvez tenha ficado até pior. O meu aniversário deste 2022 vai servir para repensar no que ou quem, realmente vale a pena. No que nos falta de verdade; e pra quem e por que, podemos dizer o que e quanto: amamos ! Até porque : “Qui pourra te dire combien je t’aime “ – “ Quem pode te dizer o quanto eu amo?
*Articulista
**The Pule é produzido com leite de burra em uma pequena fazenda da Sérvia, o queijo pule é o mais caro do mundo. Seu preço, que chega aos mil e setecentos dólares a cada 450g. É explicado pelo fato de que o tipo de leite usado na sua fabricação é muito difícil de produzir. Enquanto uma vaca produz cerca de 30 litros de leite por dia, a burra produz apenas 0,2 litro e ainda precisa ser ordenhada três vezes ao dia para evitar machucados no úbere. Para complicar ainda mais, para fazer apenas 450g de queijo, são necessários mais de 11 litros de leite de burra!

 

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