Amambai, patrimônio da união

AMAMBAI EM PERSPECTIVAS NO PRESENTE – CULTURA

Com ramo tira quebranto, Mistério pouco revelado.
Ave Cruz, canto em credo! Sara do mau olhado.

Keyane Dias

As relações humanas produzem comportamentos, costumes, tradições conforme os grupos que compõem a sociedade e o meio ambiente em que vivem.  Essa produção possibilita diferenciá-lo entre si e de outros agrupamentos externos. Vale lembrar que cada ser humano produz a própria existência, em tempos e espaços específicos, e cada experiência influencia os demais membros do grupo transformando as identidades e a cultura.

Nos vários ciclos de evolução humana, o homem sempre demostrou sua forma de viver de diversas formas. A qual denomina-se cultura. Assim:

 

Cultura não é simplesmente a arte ou o evento, [mas] criação individual e coletiva das obras de arte, do pensamento, dos valores, dos comportamentos e do imaginário (CHAUÍ, 1992, p. 41).

O conceito de cultura como um conjunto de ações humanas materiais ou imateriais leva a definir a História como o estudo das realizações humanas ao longo do tempo. Entretanto, Alfredo Bosi afirma que a definição de cultura pode ser estudada de vários ângulos, dependendo da perspectiva a ser analisada. Afirma ainda que “cultura é um conjunto composto por práticas, técnicas, variedades de símbolos e valores que somente realizando o compartilhamento com as novas gerações garante a convivência social” (BOSI, 1994, p. 10).  Porém, torna-se necessários a formação de uma consciência coletiva para a elaboração dos planos para o futuro da comunidade.

 

Conjunto de traços característicos do modo de vida de uma sociedade, de uma comunidade ou de um grupo, aí compreendidos os aspectos que se podem considerar como os mais cotidianos, os mais triviais ou os mais inconfessáveis (FORQUIN, 1993, p. 11)

Todo ser humano nasce em um contexto cultural e ao longo da trajetória de vida contribui para transformar e transmitir oralmente os elementos dessa cultura ao grupo de pertença no âmbito de sua organização política, econômica e sociocultural.

As características e as histórias são próprias de cada cultura, não sendo necessário qualquer classificação que sobrepuje em detrimento a outra. Compreender cultura é perceber uma pluralidade de ações com características étnicas, crenças, valores, interesses, artes, saberes e modos de fazer específicos e diferentes entre os grupos que se influenciam no processo de interação social, em espaço geográfico, transformando os elementos culturais ou reafirmando, ainda que seja por meio de relações sociais discriminatórias e excludentes.

O sistema cultural envolve relações que lhe são específicas.  Nesse contexto, a cultura material é composta por bens utilizados no consumo e na produção; enquanto a cultura não-material abrange as relações sociais de produção, a organização política e social, os costumes, a religião etc., que é transmitida espontaneamente através das gerações e não por meios institucionais ou oficiais; sendo sua transmissão por via oral e na prática através de jogos, canto, trabalho, artes, danças, músicas e artesanato.

 

Portanto, cultura são práticas sociais, processos constitutivos das identidades individuais e coletivas, que fazem parte do domínio da língua e das linguagens específicas aos grupos de interesse e convivências na cidade de Amambai (RODRIGUES, 2018, p 105).

Quando pensamos a questão cultural para o sul de Mato Grosso torna-se importante destacar que após o final da Guerra do Paraguai, a cultura paraguaia, bastante presente nesta parte da região era discriminada por parte dos brasileiros, pois era considerada como algo atrasado e incivilizado.

 

Uma extensão desse fenômeno consistiu na absorção de elementos da cultura paraguaia, tais como a culinária, o gosto musical e as danças. A sesta, churrasco, o chá de erva mate, quente (chimarrão) ou frio (Tereré), o biscoito paraguaio de milho (chipa), o jogo de cartas chamado truco espanhol, o uso da harpa paraguaia na música rural, bem como a popularidade da polca paraguaia e do “Santa Fé”, são parte integrante da vida do atual Mato Grosso do Sul. A imigração de gaúchos vindos do Rio Grande do Sul, os quais compartilhavam com os paraguaios alguns dos mesmos costumes, atuou como um importante reforço à adoção dos referidos elementos culturais (WILCOX, 1993, APUD, CREPALDE, 2008, p.38)

Conforme Melo e Silva (2003), o modo de falar dos brasileiros que moravam na região fronteiriça, era visto como um desrespeito ao idioma nacional, sendo desnecessário e prejudicial à cultura brasileira.

 

Conhecemos inúmeros brasileiros, não-mestiços (porque esses em geral se identificam aos paraguaios), que empregam impieçar, enfermar, aquilar, cambiar, acostar, enojar, serventa, marchante, sombrero, etc. – em vez de começar, adoecer, alugar, mudar ou trocar, deitar, enraivecer, criado, freguês e chapéu, sem perceber que, além de tudo, dão péssimo exemplo aos filhos, que por sua vez vão crescendo nessa indiferença pela pureza da língua (MELO E SILVA, 2003, p. 82).

Ao analisar a cultura, costumes e tradições da população paraguaia sabemos que o povo paraguaio, descendente dos espanhóis e dos indígenas, que ocupavam o território e seu idioma oficial era e ainda é o espanhol, mas também o guarani como uma segunda língua falada por parte da população.

Certos elementos de uma cultura ganham significado e importância a partir da aderência aos costumes, assim tomamos como exemplo a explicação postulada pela cultura indígena e paraguaia para explicar as causas da diarreia infantil, ou seja, a doença poderia ser causada por coalho virado, sendo a identificação dos sintomas da diarreia que definem como coalho virado é variada. Um movimento brusco no colo da mãe ou mesmo pular de uma árvore pode ser a explicação mais comum, chamado na língua guarani é “tupichua“. Essa explicação era transmitida espontaneamente através das gerações e não por meios institucionais ou oficiais; sendo sua transmissão por via oral e na prática através de jogos, canto, trabalho e artesanato.

 

Portanto, cultura são práticas sociais, processos constitutivos das identidades individuais e coletivas, que fazem parte do domínio da língua e das linguagens específicas aos grupos de interesse e convivências na cidade de Amambai (RODRIGUES, 2018, p 105).

Das festas religiosas praticadas pela comunidade paraguaia o mais importante é a Semana Santa, pois é para os cristãos uma festa de celebração em homenagem a Jesus Cristo. Também há a comemoração em 08 de dezembro da Virgem de Caacupé. Nos ranchos dos ervais da CML eram comemoradas as festas Juninas, São João, São Pedro e Santo Antônio, Como nos informa Serejo:

 

Fazem parte da vivência ervateira, porém, o trabalho não sofre qualquer espécie de alteração. Como em toda ranchada ervateira existe sempre um „Juan ‟, o „São João ‟tem a sua comemoraçãozinha através de uma hoguera, acesa na hora do alimento principal del dia: o jantar. O fogo, na pauzama amontoada, é posto na boquinha da noite, momento em que aparece caávari, a protetora grande que todo peão do erval conhece muito bem ((SEREJO, 1962, p.43-44).

As grandes áreas de hervais na região, era explorado ainda no século XIX, para o consumo através de chás, porém foi com a concessão da CML que o hábito de sorver a erva mate seja em com água fria (Tereré) ou quente (chimarrão).

Para os paraguaios, o consumo do Tereré tem tanta importância quanto as danças folclóricas do país. Assim também para os sulistas cultuam o chimarrão.

Vimos que existe muita história e tradição por trás do consumo da erva mate associadas aos consumo pelo trabalhador rural do interior, de atitudes simples e com um estilo de vida com fortes ligações com o passado.

Para as festas eram realizadas tanto na área rural, como no centro urbano. Eram preparada alimentação específica da culinária paraguaia como a chipa, a sopa paraguaia, o bori bori, o locro e o pucheiro que é o prato mais consumido entre os paraguaios.

Nas áreas designadas para elaboração que eram chamadas de ranchadas da CML a dinâmica de promover bailes, tinha por objetivo o abrandamento da insatisfação dos rancheiros, onde a mulher era arregimentada para as festas a fim de diminuir os ardores reprimidos dos ervateiros.

O paraguaio tem uma característica marcante, que é a alegria; e sendo alegre até mesmo em momentos de luto, onde vai do choro ao riso, do fúnebre ao festivo, de uma forma singular. Os descendentes de paraguaios conservam até hoje sua cultura, e facilmente absorvem os mesmos hábitos de seus antepassados, sendo da mesma forma festivos, e até em eventos fúnebres eles recorrem as danças como forma de manifestar sua dor. Tem como preferência o ritmo embalado pela polca paraguaia.

 

Disseram já, e é verdade, que o Tereré, refrescante, é o abraço de quatro nações: Paraguai, o grande líder no uso, Uruguai, Argentina e Brasil. Afirmativa sem contestación. Esta bebida crioja, em qualquer um desses pagos, significa emotivamente: descanso, hora de meditação, amizade, troça, parceria para o trabalho, alegria e, algumas vezes… troca de ideia para a fuga temerária (SEREJO, 2008, p.197).

Até mesmo no transporte dos produtos através das carretas de bois existiam as festas no locais das paradas para o pouso. Como apresenta Serejo:

 

Quando as tropas chegavam ao pouso estabelecido, formada a „roda ‟ou „circulo ‟que era uma tradição, o lugar ficava festivo, numa confusão de vozes, risadas e gritos. Como iluminação, o fogo-de-chão, a „canzina‟, a carbureto, o lampião a querosene ou ao rendilhado do luar penetrando em todos os recantos. Logo em seguida, o som dos mabaracá para alegrar, ainda mais, o ambiente e pôr poesia no coração daqueles homens rudes. Não raramente, o yeroky se formava. Dança de macho. Um espetáculo diferente, bravio. Mas, uma festa, uno bailezito, para suavizar a vida madrasta a descansar o corpo sofrido e castigado pelos vendavais de um destino brabo (SEREJO, 2008, p.121).

 

Os imigrantes gaúchos comemoravam os diversos santos como o de São Roque, padroeiro dos cachorros, conforme sua tradição e cultura religiosa. A comemoração ocorria no dia 16 de agosto com a presença de muitas famílias, as quais ofertavam um banquete específico para seus cachorros, geralmente galinha com arroz. Outro padroeiro de animais, São Sebastião, “o protetor do gado” também era lembrado.  Na área rural as famílias faziam festa no dia 20 de janeiro. A imagem do santo era colocada em um altar, acendiam-se velas, rezavam e promoviam banquete, um churrasco de uma novilha gorda (SOBRINHO, 2009, p 54).

 

Com a falta de profissionais médicos ou a dificuldade de acesso a esses profissionais, a maioria das famílias recorriam aos costumeiros benzimentos.

Reza para bicheira de animais.

Entre as simpatias e benzimento, havia o ritual para cura de verrugas dos pés, que consistia no seguinte procedimento:  a pessoa que possuía as verrugas deveria ir até a beira do córrego em uma área com argila, e descalça marcava sua pegada no barro e o benzedor ou ritualista, cortava a pegada retirando o molde o chão o virava todo para baixo, com isso acreditavam as verrugas sumiriam. Os benzedores também eram procurados para rezar para animais “ofendido de bicho mau”, para expulsar animais peçonhentos de uma área rural, para curar picada de cobra, para estancar hemorragia de feridas e para curar bicheiras em animais (SOBRINHO, 2009, p 62).

Para a cura de doenças dos animais de maior porte como cavalos e bovinos o benzedor escolhia três palhas de milhos seca, principalmente roxa, fazia um amarrado em cada uma delas, sem fechar totalmente o nó e ao olhar para o animal por dentro do nó, fazia a oração e ai fechava totalmente o nó da palha, repetindo assim com todas as três palhas. Acreditavam que a doença se curava a partir desse ritual.

A crença para a cura de vários males era transmitidas através de pequenos fragmentos escritos com a descrição das rezas para cura de males das pessoas e também dos animais.

Por muitos anos foram realizadas aos domingos uma das principais festas na então Vila União, que era a corrida de cavalos, ou carreiradas como eram conhecidas Ao comando de uma pessoa as carreiras com cavalos e jóqueis partiam em busca do ponto final, a gritaria e aplausos era geral entre aqueles que apreciavam a disputa.  Os animais, que participavam deste evento eram identificados por nomes diferente: zaino[1], tordilho[2], tobiano[3], douradilho[4], bragado[5], rosilho[6], pangaré[7], o orelhano, o petiçoe outros (KARAY MARIANO, 2018)

O jóquei deveria possuir um saber muito específico para conduzir o animal que ia montar, esta era uma qualidade imprescindível para vencer a disputa. Bom jóquei era aquele homem pequeno, de pouco peso e com destreza para desempenhar a função.

Os juízes que determinavam o início da disputa sinalizavam a partida com um lenço e outros se encontravam na chegada para comprovar quem seria o campeão. Para legitimar a vitória do campeão os juízes observavam até as pequenas diferenças na chegada dos animais, tipo: pescoço, tronco, meio corpo, virilha, isso após alguns definirem qual a luz que dariam ao adversário.

Na garantia das apostas eram confeccionados contratos onde eram definidas as regras, tanto do peso do jóquei até a multa por provável desistência.

O treino dos animais em dias ou até meses que antecediam as carreiras eram realizadas todos os dias.  Ao lado da cancha[8]  se formavam verdadeiro comércio, com venda de salgadinhos, chipas e até cachaça (SOBRINHO, 2009, p 68)

Enfim era um encontro de homens dispostos a apostar e assistir aos shows.

As famílias promoviam festas como modo de interação. Organizavam bailes, quermesses, festas cívicas, festas comemorativas, principalmente na zona rural e uma das principais era a festa surpresa.  Os promotores da festa chamados de surpreseiros chegavam nas casas sem fazer barulho algum e quando próximos promoviam um grande tiroteio, ao mesmo tempo, em que os músicos tocavam os instrumentos musicais como a sanfona e o violão. A música tinha como proposito acalmar o dono da casa após o tiroteio, pois sendo uma região marcada pela insegurança e a violência era preciso mostrar logo que tratava-se de uma festar surpresa (SOBRINHO, 2009, p 65

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