Pelé, 80 anos: o mito que ficou famoso até pelos gols que não marcou

Uma anotação à caneta tinteiro em frente ao nome Edson Arantes do Nascimento no livro de batismo da Matriz Sagrada Família de Três Corações não deixa dúvida: “Este é Pelé. Campeão mundial de futebol – 1958 – Bicampeão em 1962”. A observação é do monsenhor José Guimarães Fonseca, que morreu antes do tricampeonato no México’1970, pároco que batizou, em abril de 1941, o maior orgulho da cidade do Sul de Minas, que se tornaria majestade eterna dos gramados do mundo inteiro: o Rei Pelé, que na sexta-feira completa 80 anos.

Pelé nasceu em 23 de outubro de 1940 – embora a certidão de nascimento, por motivo não explicado, registre o dia 21 –, em Três Corações, para onde o pai, João Ramos do Nascimento, o jogador Dondinho, natural da vizinha Campos Gerais, foi servir no 4º Regimento de Cavalaria Divisionário do Exército.Na cidade, com emprego na rede ferroviária, Dondinho conheceu Celeste, filha de um vendedor de lenha, com quem se casou e teve três filhos, o primeiro batizado de Edson, em homenagem a Thomas Edison, inventor da lâmpada elétrica.

Por três anos, o garoto que viria a ter o apelido mais conhecido do mundo foi chamado pelos familiares de Dico. A mudança, a contragosto do menino que odiava ser chamado de Pelé, veio em 1943, quando Dodinho foi contratado pelo Vasco da Gama de São Lourenço, também no Sul de Minas, onde atuava o goleiro Bilé. Dico o idolatrava e dos gritos quase onomatopeicos de “Plé, Plé, Plé”, os outros garotos passaram a chamar-lhe de Pelé.

 

A família Arantes do Nascimento trocou a pequena casa da Rua 13 (hoje rebatizada em homenagem a Pelé) em definitivo em 1945, quando Dondinho recebeu boa proposta do Bauru Esporte Clube. No interior paulista, em companhia do pai, Pelé trocava o parquinho pelos gramados. Em 1956, vencida pela insistência, Celeste autorizou o ex-atacante Waldemar de Brito a levar Pelé ao Santos.

(Foto: Ronaldo Moraes/O Cruzeiro - 30/05/1962)  

 

 

O mundo aos seus pés

Pelé chegou ao Santos no início de agosto de 1956. Tinha 15 anos e 10 meses. No primeiro treino, encheu os olhos principalmente do presidente, o ex-goleiro Athiê Jorge Coury, que lhe garantiu alojamento, alimentação e salário de 6 mil cruzeiros – o primeiro contrato profissional seria assinado apenas em 25 de junho de 1957, quando Pelé já havia feito 30 jogos.
A estreia não demoraria: em 7 de setembro, marcaria o primeiro de seus 1.091 gols pelo Peixe, substituindo o veterano Del Vecchio no segundo tempo da vitória sobre o Corinthians de Santo André, por 7 a 1, no ABC Paulista. Daquela tarde festiva do Dia da Independência até encerrar a carreira oficialmente, em 1977, Pelé vestiria a camisa alvinegra por 1.116 vezes.
Em 21 anos foram 1.367 jogos e 1.279 gols por Santos, Seleção Brasileira, Seleção Paulista, Seleção das Forças Armadas e New York Cosmos, para onde se transferiu em junho de 1975 com a missão de popularizar o soccer na terra do Tio Sam.

 

Todos os feitos foram precoces na carreira meteórica de Pelé. Com as boas atuações no Santos, não demorou a chamar a atenção de Vicente Feola, técnico da Seleção, que o convocou pela primeira vez para enfrentar a Argentina, pela Copa Rocca. Entrou no segundo tempo e marcou o gol brasileiro na derrota por 2 a 1, no Macaranã, em 7 de julho de 1957. No fim do mesmo ano, foi vice do Paulista, atrás do São Paulo de seu ídolo de infância, Zizinho.
(Foto: Indalécio Wanderley/O Cruzeiro - 19/11/69)  

 

 

O ano seguinte seria de glórias. Em março, Pelé foi confirmado por Feola para a Copa do Mundo. Caçula do grupo, assumiu o posto de titular na Suécia na terceira rodada, já que Dida acusava lesão e Mazolla não estava em boa fase. Foi decisivo na fase final, ao fazer o gol da vitória sobre País de Gales, por 1 a 0, que classificou o Brasil para as semifinais.
Até hoje é o único jogador a marcar três gols em uma final de Copa, na goleada sobre a França, por 5 a 2. No fim de 1958, levantou o primeiro dos 10 troféus do Paulista pelo Santos. Em 1959, aos 18 anos, serviu como recruta no 6º Grupo Móvel de Artilharia da Costa, em Santos.
A década de 1960 consagraria Pelé como o Rei do futebol. Em 1961, marcou gol histórico contra o Fluminense, quando driblou sete jogadores antes de balançar as redes – o lance rendeu cinco minutos de aplauso e placa no Maior do Mundo.
Com a Seleção, conquistou o bicampeonato no Chile’1962, apesar de ter se machucado na segunda partida. Com o esquadrão santista de Gilmar, Coutinho e Pepe, foi o dono das Américas e, depois do Mundo, ao conquistar o bicampeonato da Libertadores e do Mundial Interclubes, em 1962 e 1963. No Brasil, teve a sequência de cinco títulos da Taça Brasil, iniciada em 1961 e interrompida em 1966, quando perdeu para o Cruzeiro. Em fevereiro de 1966, Pelé se casou com Rosemeri Cholbi, com quem teria três filhos, até a separação, no início dos anos 1980.

Ele fez a guerra parar

Uma das histórias atribuídas ao brilho do craque é sobre ele ter parado uma guerra civil, quando esteve no Congo Belga, no início de 1969. Isso ocorreu pelo menos durante a partida, quando forças do Congo-Kinshasa (ex-Zaire) e Congo Brazzaville estiveram pacificamente no mesmo estádio para ver Pelé jogar. O mesmo ocorreu dias depois, quando o governo da Nigéria assegurou que não haveria confronto na região de Biafra enquanto o Santos estivesse no país – promessa cumprida.
Em 19 de novembro de 1969, uma das cenas mais marcantes: em partida pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa, contra o Vasco, no Maracanã, ele marcou de pênalti seu milésimo gol. O jogo foi paralisado, Pelé foi erguido e uma multidão de repórteres e fotógrafos correu para registrar o feito.
(Foto: John Varley/Varley Agency/REX/Shutterstock)  

 

 

A década de 1970 foi a consolidação do mito. Na considerada maior Seleção Brasileira de todos os tempos, Pelé conquistou o tricampeonato no México. Encantou pelos quatro gols e até pelos que não marcou: um chute do meio-campo que saiu ao lado do goleiro tcheco Ivo Viktor; a cabeçada forte defendida pelo inglês Gordon Banks, considerada a maior defesa de todas as Copas; e o drible de corpo e o chute de bate-pronto que quase surpreenderam o goleiro uruguaio Mazurkiewicz.
Os anos seguintes foram marcados pelas despedidas, primeiro da Seleção (em julho de 1971), depois do Santos (em outubro de 1974). De 1975 a 1977, atuou no New York Cosmos, ao lado de ídolos como Carlos Alberto Torres, Franz Beckenbauer e Johan Neeskens, em uma tentativa de popularização do futebol no país.

Saúde fragilizada

Desde a aposentadoria, Pelé é o embaixador mundial de futebol. Recebeu as mais variadas homenagens, da ONU ao Palácio de Buckingham. Foi escolhido atleta do século nas mais diversas federações e publicações. Participou de partidas amistosas como convidado especial, foi figura de destaque em premiações e circulou pelo mundo todo até entrar em um período de reclusão, por causa do abalo na saúde nos últimos anos. Fragilizado devido aos problemas no quadril, Pelé tem sido hospitalizado com alguma frequência. No final de 2014, foi sido vítima de uma infecção urinária grave e teve de entrar em tratamento intensivo e em diálise.
Em entrevista ao site Globoesporte.com em fevereiro deste ano, Edinho, seu filho e ex-goleiro do Santos, falou até em depressão: “Ele está bastante fragilizado em relação à mobilidade. Fez o transplante do quadril e não houve uma reabilitação adequada. Não consegue andar normalmente. Só com o andador. Até melhorou um pouco em relação a essa época recente (em que apareceu de cadeira de rodas), mas ainda tem bastante dificuldade. Está com esse problema da mobilidade, que acaba acarretando certa depressão”.
A última aparição pública do astro foi em maio do ano passado, quando ele participou de um evento em São Paulo. Na época, posou ao lado do ex-presidente norte-americano Barack Obama.
Uma coisa é certa. As homenagens ao Rei do Futebol não vão cessar, independentemente de seu estado de saúde, já que Pelé se tornou eterno.

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