Pecuária predatória expulsou “boi-bombeiro” do Pantanal, não ecologistas
Engrossando o coro dos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Agricultura, Tereza Cristina, o presidente Jair Bolsonaro responsabilizou os ecologistas pelo sumiço do “boi-bombeiro” da planície pantaneira – tudo para defender a expansão de áreas de pastagem no Pantanal e até mesmo na Amazônia.
Primeiro erro banal: não foram os ecologistas, e sim a pecuária predatória implantada no final da década de 70 por pecuaristas vindo do sul no planalto adjacente à planície pantaneira, que expulsou o chamado “boi-bombeiro”.
Outra constatação óbvia ignorada pelo presidente: a pecuária sempre teve problemas para se adaptar ao clima da Amazônia. Financiados pela ditadura militar com recursos da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), centenas de projetos agropecuários foram abandonados, ocasionando conflitos agrários que até hoje perduram no sul do Pará, por exemplo. Como me disse mais de uma vez o agrônomo, escritor e ambientalista José Lutzenberger (1926-2002), ministro do Meio Ambiente no governo do presidente Fernando Collor (1990-1992), tentar implantar pecuária na Amazônia é no mínimo uma burrice.
A criação da expressão “boi bombeiro” é atribuída ao servidor aposentado da Embrapa Arnildo Pott, professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), doutor em ecologia vegetal na Universidade de Queensland, na Austrália, que trabalha há mais de 40 anos com os temas do Pantanal. É uma referência à atividade que o boi exerce durante os ciclos das cheias ao comer a vegetação nativa, evitando que se transforme em material orgânico que pode provocar e dar volume aos incêndios no Pantanal.
No Pantanal, o “boi bombeiro” começou a desaparecer das fazendas das planícies devido ao desmatamento de milhares de hectares de matas às margens do Rio Taquari pelos novos fazendeiros. Um dos principais rios que desembocam no Pantanal, o Taquari passou a receber 30 mil toneladas de terra por dia em um processo irreversível de assoreamento.
Alteração da paisagem afetou “trabalho” do boi-bombeiro
Passado mais de 30 anos do início da destruição provocada pelos pecuaristas no norte do Mato Grosso do Sul, várias partes do leito do Taquari foram tomadas por bancos de areia. A consequência é que as águas passaram a inundar permanentemente os pastos nativos das fazendas, alterando o ciclo natural de cheia e seca.
“Os pantaneiros abandonaram suas fazendas, tirando os bois que sempre se alimentavam da pastagem nativa, ajudavam a baixar a altura dos pastos, evitando o acúmulo de material orgânico. Isso favorece os incêndios”, afirma o presidente da Sociedade de Defesa do Pantanal, Nilson de Barros, ex-chefe da Embrapa em Corumbá (MS).
A mesma tese é defendida pelo presidente da Fundação Homem Pantaneiro, o tenente-coronel reformado da PM Ângelo Rabelo, ex-comandante da Polícia Florestal no estado. De acordo com ele, o homem da planície pantaneira nunca cortou mata nativa para plantar pastagem no seu lugar. “Os pecuaristas do norte são os responsáveis pela inundação das fazendas e pelo sumiço do ‘boi bombeiro’. Ironicamente, as terras do norte hoje podem valer R$50 mil por hectare, enquanto as da planície pantaneira, totalmente inundadas, não chegam a R$ 500”, disse Rabelo.
Fazendeiros são investigados por incêndios
Também são do norte do estado os pecuaristas que estão sob investigação da Polícia Federal, sob suspeita de terem iniciado as queimadas no Parque Encontro das Águas e na região da Serra do Amolar.
A vinda de herdeiros e de pecuaristas de outras regiões para a Nhecolândia, região central do Pantanal, também já começa a trazer danos ecológicos para a região. Uma investigação das polícias Civil e Militar também apontou que foram nessas fazendas que as queimadas teriam começado na região. Fica bem claro que os fazendeiros vindo de fora não convivem de forma harmônica com a natureza, ao contrário do homem pantaneiro.
“O pantaneiro convive de forma harmônica com o Pantanal faz mais de 200 anos”, afirma Rabelo. Ele foi um dos pesquisadores que falou sobre a importância do “boi bombeiro” durante um encontro com a ministra Tereza Cristina.
De objeto de estudo anônimo entre os ambientalistas, o animal passou a ser ridicularizado, ao ser usado como peça de propaganda pelo presidente Bolsonaro e membros do seu governo a fim de defender a ampliação das áreas de pastagem em regiões ambientalmente protegidas.