Onda contra a Lava Jato no STF contrasta com respaldo no auge

“O STF deu um freio de arrumação nas loucuras da #LavaJato. A força-tarefa de Curitiba está sendo colocada em seu devido lugar, que é aqui na planície”, escreveu semanas atrás o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Ele se referia à ordem do presidente da corte, Dias Toffoli, que determinava o compartilhamento de dados em posse da equipe do Paraná com a Procuradoria-Geral da República -decisão provisória já revista, mas ainda pendente de julgamento.

Desde 2019, as autoridades da operação têm sofrido uma sequência que parece interminável de reveses na mais alta corte do país, com revisão de julgamentos, retirada de casos sob sua responsabilidade e a decisão que barrou a prisão de condenados em segunda instância, como é o caso do ex-presidente Lula.

O mais recente movimento nessa direção foi a decisão da terça-feira passada (4) que tirou trechos da delação do ex-ministro Antonio Palocci de um dos processos contra Lula em Curitiba.

Na sessão, na Segunda Turma da corte, os Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski disseram abertamente considerar que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial e agiu politicamente quando esteve à frente da ação contra o petista.

Nem sempre foi assim. Em seus primeiros anos, a Lava Jato pôde contar majoritariamente com o respaldo da corte em suas atividades, procedimentos e decisões.

Em agosto de 2015, sessão da mesma Segunda Turma para julgar o pedido de habeas corpus de um lobista preso por ordem de Moro foi marcada por declarações de espanto com a profundidade dos crimes que estavam sendo revelados.

“Se nós tivéssemos que retomar um julgamento como aquele do mensalão, talvez devêssemos mandá-lo para as pequenas causas, diante da dimensão deste episódio”, disse na sessão Gilmar Mendes, hoje um dos mais ácidos críticos dos trabalhos de Curitiba.

O argumento da defesa, de que a prisão visava forçar confissões, foi rejeitado pelo placar de 4 a 0. O preso, Fernando Soares, virou delator pouco tempo depois.

Naquele que até hoje é o mais polêmico gesto de autoridades da operação, a divulgação por Sergio Moro de áudios de conversas da então presidente Dilma Rousseff com Lula, em 2016, a resposta institucional do Supremo foi uma mera reprimenda em ofício pelo ministro Teori Zavascki, então relator da operação na corte.

Gilmar também usou trechos das conversas para embasar sua decisão liminar de suspender a posse de Lula na Casa Civil do governo Dilma, o que enfraqueceu ainda mais a então presidente, afastada do poder dois meses depois.

A extensão dos esquemas de corrupção revelados na Petrobras, com suas cifras astronômicas, ajudava a criar um clima pró-Lava Jato, que se refletia no tribunal.

As investigações no país viviam sob o espectro de duas grandes operações anuladas com a chancela das cortes superiores, a Castelo de Areia, que também mirava elos políticos de uma das maiores empreiteiras do país, a Camargo Corrêa, e a Satiagraha.

Não ter o mesmo destino já podia ser considerado uma vitória para os procuradores de Curitiba e seus apoiadores, que temiam uma interferência política para podar a operação.

E não sem motivo. O jornal Folha de S.Paulo mostrou em 2019, por exemplo, emails de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, articulando conversas com diversos atores políticos, do PSDB ao PT e MDB, para pedir um freio no ritmo da Lava Jato em 2014 e 2015.

Em maio de 2016, foram reveladas pela Folha de S.Paulo conversas em que o então senador Romero Jucá (MDB-RR) defendia junto ao correligionário Sérgio Machado, agora delator, um acordo “com o Supremo, com tudo”, para “estancar a sangria” da operação.

A afirmação virou um bordão e pôs mais pressão no Supremo Tribunal Federal contra medidas eventualmente desfavoráveis à operação.

Mesmo assim, ainda nos primeiros anos, houve decisões que contrariaram os interesses de Curitiba.

Em abril de 2015, por exemplo, o Supremo tirou da cadeia nove executivos de empreiteiras presos havia meses por Moro. Também naquele ano, decidiu enviar para fora do Paraná casos que não tivessem ligações diretas com a Petrobras.

A favor da operação, pesava na época também um ambiente político ainda sob certo rescaldo dos protestos de 2013, que cobravam mudanças nas práticas políticas e mais mecanismos de combate à corrupção.

Além disso, as defesas apelavam a argumentos pouco sólidos em seus questionamentos, como o fato de Moro ter escrito artigo sobre corrupção ou a falta de um acordo de cooperação com o Canadá para validar como prova mensagens trocadas por suspeitos por meio de um telefone de fabricação canadense.

Hábeis, os investigadores apresentavam sucessão de provas, como dados de contas nos exterior, informações de firmas de fachada e movimentações financeiras suspeitas, reduzindo a margem a contestações.

Mas permaneceram sem julgamento à época na corte dúvidas em procedimentos da investigação, muitos deles fruto de inovações abraçadas pela força-tarefa, como as delações premiadas. O rito dos acordos de colaboração até hoje ainda gera debate no meio jurídico.

O ano de 2017, que começou com morte de Teori Zavascki em acidente aéreo, parece ter marcado uma mudança de ares.

Alguns episódios alimentaram críticas sobre os efeitos do “lavajatismo” sobre a Justiça, como a tumultuada delação da JBS, fechada pelo então procurador-geral Rodrigo Janot, e as controversas operações Carne Fraca (contra frigoríficos) e Ouvidos Moucos (que prendeu o reitor da

Universidade Federal de Santa Catarina, que posteriormente se suicidou), ambas comandadas por delegados com serviços prestados ao time de Curitiba.

Em 2018, houve a primeira grande derrota no Supremo, com a proibição pela corte das conduções coercitivas (quando um suspeito era levado para depor), uma das marcas da Lava Jato.

Também naquele ano, a ida de Moro para a equipe de Jair Bolsonaro acabou abalando a credibilidade da operação.

No ano passado, o Supremo decidiu enviar para a Justiça Eleitoral casos de corrupção com conexões com crimes eleitorais, esvaziando os trabalhos da força-tarefa, e criou um novo entendimento sobre a ordem de fala de delatores e delatados, pondo em risco de revisão sentenças expedidas anos atrás.

Fortaleceu essa tendência de “freio de arrumação” a revelação pelo site The Intercept Brasil de conversas no aplicativo Telegram que mostraram colaboração entre Moro e o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, nas atividades da operação.

As mensagens no Telegram farão parte de outro julgamento, ainda sem data marcada, que pode ser o marco da revisão dos trabalhos de Curitiba: o da análise sobre a imparcialidade de Moro como juiz responsável pelas ações contra Lula.

Caso a Segunda Turma da corte concorde com os argumentos da defesa, as condenações no caso tríplex de Guarujá e do sítio de Atibaia serão anuladas, e o petista deixará de ser ficha-suja.

Como Lewandowski e Gilmar Mendes já sinalizaram que concordam com a tese, faltará um voto para formar maioria a favor do ex-presidente. A expectativa é pelo posicionamento do ministro

Celso de Mello, já que outros dois juízes do grupo, Cármen Lúcia e Edson Fachin, votaram contra a argumentação de Lula em 2018.

As rusgas recentes entre a força-tarefa de Curitiba e o procurador-geral Augusto Aras, chefe do Ministério Público Federal, reforçaram a propensão ao isolamento e a perspectiva negativa para os próximos passos da operação que chegou a pautar a agenda do Judiciário do país.

 

Fonte: Conteúdo ms

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