O Rio Uruguai e os seus balseiros

Hoje é difícil imaginar a loucura do pessoal balseiro nas enchentes do Rio Uruguai. Mas constituiu a vida dos mais velhos na minha infância, antes da 2ª Guerra até os anos cinquenta do século XX. Começou no século XIX, com os piragueiros, a ideia de usar a cheia do rio para transportar erva-mate à Argentina, negócio altamente lucrativo. É o que narrou Alfredo Malan (1873-1932), famoso militar nascido na Itália. Ele esteve em missão no Goio-En em 1902, tendo por acesso o trilho do telégrafo. Moura Gavião, mineiro que ali chegara em 1853, contou-lhe tudo e Malan anotou.

Ervateiros percorriam a mata reiúna, até os fundos de Campo Erê, para cortar ramos de erva-nativa; que sapecavam por lá mesmo, com lenha escolhida, de guabiroba, alta qualidade. Transportavam a carga até o soque em lombo de mula, e acondicionavam a erva em bolsas, para embarcar na piragua: espécie de caixa flutuante, que lembrava casa com remos, e que flutuava infensa à fúria das águas. Assim, quando o rio enchia e se tornava navegável, desciam rumo à Argentina, onde vendiam a mercadoria e a madeira da piragua, por uma fortuna (aos padrões locais).

Na volta, de quebra, traziam, de Buenos Aires, joias e raridades, que revendiam a muito bom preço, o que fazia valer a pena o risco, inclusive da aduana. A margem esquerda do rio era paranaense à época, imposto pesado; mas o lado gaúcho era bem mais suave; situação que perduraria até o acordo de divisas entre Santa Catarina e Paraná, em 1916. Possuo foto de meu avô João Sperry, com Alcides Benvegnú, pioneiro de Maravilha, no Oeste Catarinense, marceneiro de escol, lá nos anos vinte, a patrocinar em Nonoai-RS, a empreitada de uma piragua, com intensa mão-de-obra.

Depois viriam as balsas de vigas, madeira de lei em toros: cedro, loro, canafístola, grápia, engenhosamente atadas: munidas de remos, abrigo no centro, fogão em vaso de terra, um prático no comando e dias de viagem. Mais tarde viria a balsa de pranchas de pinho, tábuas de três ou de quatro por doze polegadas, comboiadas por lancha. Em Nonoai, foram os Sentinelli os primeiros a exportar madeira serrada em balsas; para tanto estabeleceram comércio próprio na Argentina, já que a política naquele país era realizar a serragem e gerar emprego no próprio país.

Desde as piraguas, formaram-se gerações de práticos do rio, que o conheciam palmo a palmo: conforme o volume da enchente era o tipo de viagem e de perigos; eles sabiam a velocidade, previam, na noite, a hora exata das manobras para desviar os perigos. Pelo ruído da água na madeira sabiam a fundura, percebiam a aproximação de ilhas e baixios. Aperfeiçoaram as balsas, a atada da madeira; fabricaram lanchas locais, ferramentas engenhosas como o passa-vinte, que arrastava toras nos lugares mais inóspitos. Finda a Guerra, tudo seria substituído por tecnologia americana.

 

 

 

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