Delegado investigado por esquema de propina na Polícia Civil não toma posse como juiz em MS

O delegado de Polícia Civil Patrick Linares da Costa, afastado do cargo após indícios de recebimento de propina, identificados no bojo da Operação Codicia, não será empossado como juiz substituto nesta quarta-feira (27).

juiz tjms
Posse está marcada para esta quarta-feira (27) | Foto: Divulgação/TJMS

O delegado passou no concurso para juiz substituto em 2021, e estava com a posse marcada junto com a dos novos magistrados para esta quarta. Como delegado, os valores pecuniários recebidos por Linares são de R$ 24.320, segundo o portal da transparência. Como juiz substituto, os vencimentos iniciais são previstos em R$ 27.363.

A situação parece delicada, uma vez que, como juiz, Linares poderia, em tese, ter acesso às credenciais prerrogativas de magistrado que permitiriam acesso às peças sigilosas do inquérito do qual é alvo, e que corre na 2ª Vara Criminal de Campo Grande.

Segredo de Justiça

A reportagem apurou que a Corregedoria do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) já teria tomado conhecimento da situação e tomado providências para impedir a posse. Na lista dos juízes que serão empossados, não consta o nome do delegado, que foi retirado. A suspeita é de que a motivação esteja ligada às investigações do caso de propina. Contudo, o caso está em segredo de Justiça.

Além disso, o edital do concurso para juiz, publicado em 2019, traz item que prevê a impossibilidade de tomar posse, nas disposições finais. “A qualquer tempo, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul poderá determinar a anulação da inscrição, das provas, da nomeação e da posse do candidato, desde que verificada qualquer falsidade nas declarações e/ou quaisquer irregularidades nas provas ou nos documentos apresentados”, traz trecho do item 17.

Medidas cautelares

Inicialmente, o  havia pedido à Justiça a prisão preventiva de Linares. O pedido, porém, foi indeferido e convertido em medidas cautelares, que consistem em “afastamento do exercício da função de Delegado de Polícia enquanto estiver correndo a presente investigação e/ou a ação penal (tanto na função direta como Delegado, como em qualquer outra atividade administrativa)” e “impedimento de acessar os prédios de qualquer uma das Delegacias de Polícia existentes no município de Ponta Porã/MS”.

As restrições também impõem “proibição de manter qualquer tipo de contato direto com as pessoas que estão sendo investigadas no presente procedimento, com exceção de sua  (o que não impede que o seja feito através de advogado dentro do exercício da função em sua defesa)”, “entrega da arma funcional ao superior hierárquico por ocasião do cumprimento dos mandados de busca e apreensão – eis que afastado de suas funções” e “proibição de portar arma de espécie alguma (mesmo que particular)”.

O descumprimento das medidas cautelares, conforme a peça, pode ensejar a decretação da prisão preventiva de Linares. O que ocorre, no entanto, é que as restrições são referentes ao cargo de delegado de polícia.

Na terça-feira (26), o Jornal Midiamax acionou várias instâncias sobre a eventual posse do delegado afastado como juiz. No caso do Gaeco, a reportagem questionou se o MPE-MS (Ministério Público Estadual) irá reformular pedido inicial para que as medidas cautelares passem a se referir ao cargo de juiz. Em nota enviada após a publicação, o órgão destacou que “em razão do sigilo das investigações, o GAECO/MPMS não comentará o referido procedimento em curso”.

Já o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) não se manifestaram sobre os requerimentos feitos pela reportagem até a publicação.

Interceptação telefônica

Interceptação telefônica durante a investigação do Gaeco contra policiais acabou na descoberta de que o delegado estaria envolvido com os outros colegas na busca de obtenção pecuniária de forma ilícita.

Segundo o relatório do Gaeco, em uma das conversas entre dois policiais presos na operação, um deles fala que Patrick Linares havia dito que não queria mais saber de se envolver em bronca, já que havia sido aprovado em um novo concurso público.

Ainda durante as investigações, foram identificados pelo Gaeco vários depósitos em espécie, que foram feitos na conta do delegado e de sua esposa: entre os anos de 2017 e 2019, foram feitos 18 depósitos, totalizando R$ 17.060, na conta bancária do delegado.

Já na conta da esposa do delegado, foram descobertos 190 depósitos que totalizaram o valor de R$ 214.597, com algum tipo de identificação — outros 86 créditos no valor total de R$ 89.980 não tinham identificação ou estavam precárias.

Foram esses depósitos que chamaram atenção durante as investigações. Além disso, a esposa do delegado, que também é funcionária pública e atua no TJMS, não teria declarado outra atividade remunerada perante a Receita Federal, conforme foi mencionado pelo Ministério Público.

Ainda segundo o relatório, foram identificados indícios de que o recebimento das quantias pelos investigados sinalizavam o recebimento de valores de forma irregular, já que — como agentes públicos — a única fonte de renda conhecida viria do Estado, não se justificando o depósito de tantos valores sem origem aparente.

O Gaeco ainda aponta que a conta bancária da esposa do delegado poderia estar sendo usada como ‘laranja’ no recebimento de propinas.

Delegado afastado

Na publicação do Diário Oficial desta terça-feira (26), ficou determinado que o delegado está afastado compulsoriamente de suas funções, pelo prazo em que perdurar a medida imposta pela Justiça, determinando o recolhimento das armas, carteira funcional e demais pertences do patrimônio público destinados ao referido policial.

O delegado também teve a suspensão de suas senhas e logins de acesso aos bancos de dados da instituição policial, suspensão de férias e avaliação para fins de promoção, caso tais medidas ainda não tenham sido adotadas.

A suspensão foi assinada pelo delegado-corregedor da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Márcio Rogério Faria Custódio. O grupo chegou a cobrar R$ 20 mil de um casal, que teve o caminhão furtado no Rio de Janeiro, para a restituição após a recuperação do veículo pela PRF (Polícia Rodoviária Federal).

As investigações

As investigações começaram em 2021. Em depoimento, as vítimas dos policiais contaram que, no dia 5 de abril de 2021, o caminhão Scania em que estava acoplada a carreta foi roubado de Queimados, no Rio de Janeiro.

Já no dia 6 de abril, equipes da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em  em Ponta Porã encontraram e recuperaram o veículo entrando em contato com as vítimas para comunicar o fato. O casal, então, foi até Ponta Porã.

No trajeto, segundo o relatório do Ministério Público, pararam em posto policial no estado do Paraná e foram orientados a procurarem em Ponta Porã a policial aposentada, alvo da operação, que iria ajudar na restituição do caminhão.

As vítimas, então, entraram em contato com a policial pelo WhatsApp, e ela indicou que fossem até a 2ª delegacia de polícia e procurassem o escrivão também alvo da operação. Já na delegacia, no dia 8 de abril, o casal foi recepcionado por outro policial e, posteriormente, o segundo alvo da operação passou a atendê-los, como também o investigador de polícia aposentado.

Pedido de ‘agrado’

Segundo as vítimas, o escrivão na presença do investigador aposentado comunicou que a carreta seria liberada apenas por meio de um ‘agrado’ para o delegado. Com isso, o casal informou que tinha apenas R$ 300 disponíveis, já que teria gasto com a viagem. À declaração, o escrivão reagiu com desdém e disse que com tal valor não levariam nem as chaves do caminhão.

Então, o escrivão saiu da sala e disse que iria conversar com o delegado. Ao retornar, afirmou que o veículo somente seria restituído mediante o pagamento de R$ 20 mil. Assustadas, as vítimas contaram que tinham naquele momento R$ 4 mil, que seriam usados para as despesas da viagem e para a aquisição de alguns itens do trator/carreta, necessários para o deslocamento.

O escrivão achou a quantia baixa, e com isso, a vítima informou que somente lhe restava na conta R$ 1 mil, quando foi orientada a fazer um Pix do montante na conta dele e deixar o restante do dinheiro em cima da mesa, o que foi atendido.

Segundo as vítimas, enquanto aguardavam o encaminhamento dos documentos necessários à liberação do veículo, passaram a observar que outros servidores desfilavam na delegacia conduzindo caixas de cerveja, carnes e utensílios para realização de churrasco, para dentro das repartições levando-as a crer que haviam utilizado parte do dinheiro deixado sobre a mesa do escrivão para adquirirem aqueles produtos e que ali realizariam uma festa.

 

fonte: midiamax

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.