Dança/Crítica – A força da presença em “Desenho do tempo”, por Luiza Rosa

** Luiza Rosa

Fotos: Helton Pérez

Reprodução blogdoalexfraga

É quase indescritível o impacto que a presença de um corpo tem sobre o outro, ainda mais quando é sobre especialmente esse aspecto que um espetáculo de dança contemporânea se desenvolve. Desde o início, é sobre presença que “Desenho do tempo” (2022) está tratando. Isso fica evidente quando Renata Leoni entra em cena, senta-se em uma cadeira de madeira sobre um tapete de retalhos, no centro do palco, olhando para a plateia, em silêncio, e se acomoda em seu próprio corpo movendo um de seus braços, tocando-o com a outra mão. Fica evidente também quando Leoni e Marcos Mattos, o outro dançarino que integra a obra, caminham juntos, lado-a-lado, do canto direito para o esquerdo do palco, em diagonal, olhando para o infinito. As ações presentes no espetáculo são simples, não há coreografias complexas com passos codificados. Em outro momento, os dançarinos preenchem o contorno do próprio corpo feito com giz branco sobre o chão e sobre a parede, com objetos que remetem à história pessoal ou ao temperamento dos artistas. Neste sentido, o espetáculo contraria a máxima escrita pelo poeta radicado no Mato Grosso do Sul, Manoel de Barros, de que “é mais presente em mim o que me falta”. Nesses dois dançarinos que, fora da cena, formam uma parceria de produção e criação em dança contemporânea no Mato Grosso do Sul, que perdura há quase dez anos, está presente aquilo que os preenche, de fato, como memórias afetivas familiares e artísticas, visíveis, por exemplo, no belo retrato de Leoni com sua mãe, Lelia Wilwerth Leoni, que também dedicou parte de sua vida à valorização da cultura e arte regionais. Para a professora universitária em artes performativas e dramaturga alemã, Erika Fischer-Lichte, autora, dentre outros livros, do “A estética do performativo” (2004), “por meio da presença do ator, o espectador tem a experiência de perceber o atuante e a si próprio como mente corporificada em um constante processo de devir. Ele percebe a circulação da energia como uma energia vital em transformação.”. E, ainda, “a presença é produzida por um processo particular de corporificação, o qual é capaz de fazer do corpo fenomênico do ator um corpo energético ao mesmo tempo que seu corpo semiótico representa uma figura dramática.”. Ou seja, percebemos, pela presença do artista em cena, nosso próprio estar no mundo, nosso próprio desenho do tempo. Depois de cerca de dois anos em confinamento, nos comunicando apenas com a intermediação das tecnologias e, quando presencialmente, cobertos por máscaras hospitalares a mais de um metro de distância, contemplar dois corpos em movimento se constituindo enquanto tais com a plateia – e não para a plateia – é um presente.
 

*** Luiza Rosa é doutora e mestra em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), com especialização em Dança (UCDB) e graduação em Jornalismo (UFMS).

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