‘Considerava a Globo como a minha casa’, diz Stênio Garcia
Por O Dia
Stênio Garcia é o entrevistado deste domingo (14). O ator, que ficou na Globo por mais de 40 anos, foi dispensado em março, conforme a coluna antecipou. Na conversa a seguir, Stênio, de 88 anos, fala sobre sua saída da emissora, os cuidados durante a pandemia, o mercado da TV para atores idosos, a confusão com o diretor Silvio de Abreu e também sobre o amigo Flávio Migliaccio, que se suicidou no dia 4 de maio. “O sacrifício dele em nome da história, que abriu mão da própria vida, para se manifestar. Foi triste e um baque para todo mundo que conviveu com ele”, lembrou.
O que você está fazendo durante essa pandemia?
Estou me cuidando o máximo possível. Fico praticamente em casa e só saio no caso de muita necessidade e cercado de segurança como máscara e álcool em gel. Em casa, limpamos tudo com cloro e álcool 70. Não podemos dar mole e temos que nos prevenir desta doença terrível.
O mercado em geral, mas principalmente a televisão, prioriza os mais jovens e esquecem os mais velhos. O que você pensa sobre isso?
Triste. É um mal cultural do Brasil, infelizmente, e principalmente nesta área pouco necessária que é a cultura. Quando eu falo pouco necessária, falo na questão de importância que muitos setores dão para a nosso área, mas para nós, artistas e amantes da arte, a cultura é vital.
E a morte do Flávio Migliaccio que cometeu o suicídio por estar deprimido, desiludido por várias questões entre elas, a falta de trabalhos?
Uma pessoa adorável. Começamos praticamente juntos no teatro em São Paulo: ele no Teatro de Arena e eu no Cacilda Becker. Depois, começamos juntos também na televisão. Um ser humano incrível e não havia como não gostar dele. O sacrifício dele em nome da história, que abriu mão da própria vida, para se manifestar. Foi triste e um baque para todo mundo que conviveu com ele.
E sua demissão da Globo após 47 anos de casa agora em março? O que você sentiu?
Eu fiquei sem chão. Nunca tive problemas com a emissora e considerava a Globo como a minha casa. Na verdade, ainda considero muito a emissora, onde trabalhei bastante. Eu saía de um trabalho e entrava no outro e isso quando não fazia dois ao mesmo tempo. Tenho muito amor, respeito e gratidão pela Globo. Mas, desde 2013, eu não era mais chamado para trabalhar…
Mas você não pedia para trabalhar? Não pedia para te encaixar em produção?
Eu era funcionário e eu estava sempre à disposição. Fazia parte de um elenco e eu não tinha que ficar correndo atrás de um autor ou de um diretor. Isso eu não fiz e não iria fazer. Sinceramente, eu não sei por que não me chamaram durante sete anos. Passou. Mas eu sempre fui escalado.
O Silvio de Abreu não gostava de você? Por que? É verdade que o atual diretor de dramaturgia foi quem te colocou na geladeira?
Não sei por que ele não gostava de mim. Não gostava e talvez porque eu era baixinho (risos). Mas, acredito que tenha a ver com a Cleyde Yáconis (morta em 2013), que foi minha mulher e grande amiga do Silvio. Eu me apaixonei e perdi uma mulher maravilhosa. Ele [Silvio de Abreu] era muito amigo dela, viu o quanto a Cleyde sofreu e ficou com raiva de mim. Pode ser isso. Eu só sei que eu não tenho raiva de nada.
Você ficou deprimido?
Fiquei triste.
O seu salário era alto?
Não. Nunca tive um dos salários mais altos porque eu era CLT. Eu era funcionário e o meu contrato era por prazo indeterminado.
Você pensa em entrar na Justiça contra a Globo?
Sinceramente, eu não sei. Fui demitido no início da pandemia e fiquei perdido. Ainda estou. Tenho que pensar melhor, tenho que conversar com a minha mulher Marilene (Saade) e decidir.
Existe algum personagem na televisão que você gostaria de ter feito?
Enquanto eu respirar, quero fazer as coisas, quero trabalhar. Não tenho nenhum personagem, mas eu gostaria de interpretar o Fausto, de Goethe (um médico que se tornou rico e famoso por ter feito um pacto com o diabo) e todos nessa linha de personagens que transcendem. Eu gosto desses estudos de procurar o que está por trás da vida. Isso me fascina.
O que tira você do sério?
Qualquer coisa frustrante, uma perseguição ou uma injustiça. Não fazer o meu trabalho também me tira do sério. Eu não gosto de me defender e nem sei, mas eu sou um ator que sei do meu ofício e não paro de estudar. Leio textos.
Tem algum projeto nas mãos?
Está tudo parado por conta dessa pandemia, mas eu tive duas propostas de trabalho: uma no teatro e outra no cinema. Fui chamado para interpretar um juiz mau-caráter no filme ‘Obscuro, um caminho sem volta’, de Alessandro Barcellos, que me interessou bastante. Eu li o primeiro tratamento do longa e estou esperando sair o segundo. Na verdade, esse filme foi pensado para uma série da Netflix, mas a Netflix só compra a história depois que é tudo gravado e aí a direção preferiu fazer primeiro o filme e depois ver a possibilidade de virar mesmo uma série.
O que as pessoas nem imaginam de Stênio Garcia?
Eu sou um bom cozinheiro. Faço pratos incríveis! Gosto muito de fazer massas. Faço também todo tipo de carnes e o pessoal gosta muito do meu cuscuz marroquino. Sei costurar porque a minha mãe foi costureira, mas nunca pensei em ser um alfaiate.
Se não fosse ator o que você seria?
Agricultor. Eu gosto muito de cuidar da terra e de plantar. Eu sou da roça, um bicho do mato como diz a minha mulher, Marilene. Outra profissão que me fascina é o químico: eu gosto de misturar as coisas, de conhecer, de experimentar e de criar.