Cadê a reforma tributária do governo?

Não sei se por arrogância, dificuldade de coordenação da equipe ou falta de experiência com políticas públicas, o Ministério da Economia, sob a batuta de Paulo Guedes, insiste em reinventar a roda. E, quando apresenta sua criação, vem com um objeto estranho, com contorno mais parecido com um polígono irregular do que com um círculo.

Foi assim na reforma da Previdência, só entregue à Câmara 50 dias após a posse de Bolsonaro, apesar de se tratar de tema muito maduro do ponto de vista técnico. Mas Guedes cismou com a implantação de um regime por capitalização impossível de ser financiado, dado o enorme buraco já existente para pagar os atuais benefícios.

Quando seus desejos não foram atendidos, e sem disposição para negociar, criticou duramente o trabalho do deputado Samuel Moreira, relator da matéria, chegando até mesmo a sugerir aos parlamentares que não aprovassem o relatório.

Ocorreu o mesmo com a chamada PEC emergencial, instrumento destinado a disparar medidas restritivas ao gasto público quando o cumprimento da regra de ouro estivesse em risco. O governo desconheceu completamente o fato de que a discussão do tema já estava bem avançada na Câmara, no âmbito da PEC 438/19, e entrou com uma medida nova no Senado, em vez de negociar alterações com os parlamentares na matéria já em curso.

Essa conduta se repete agora, com o Projeto de Lei 3.887/20, que institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), o IVA federal, pomposamente chamado pelo governo de primeira fase da reforma do sistema tributário brasileiro.

Não é que não haja méritos em substituir o atual PIS/Cofins por um tributo sobre o valor adicionado, com formato mais próximo do que se pratica na maior parte das economias avançadas do mundo. O problema é novamente passar por cima de uma reforma mais ampla, com discussão muito avançada na Câmara, a saber, a PEC 45/19, que cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Como se sabe, o IBS, além de abarcar a proposta federal para o PIS/Cofins, também extingue o IPI, o ISS (municipal) e o ICMS, este último, sem dúvida, o mais complexo, litigioso e ineficiente tributo do País.

O governo alega que não pretende entrar em questões de alçada dos Estados e municípios. Como assim? O desempenho da economia depende de todo o sistema tributário, nos três níveis federativos, e é exatamente função da União tentar coordenar o processo de reforma tributária em âmbito nacional.

E nunca se viu tanta disposição – não só no Congresso, como também entre governadores e prefeitos – para enfrentar, em seu conjunto, o problema tributário brasileiro.

Na quarta-feira (22/7), após reunião com o secretário especial da Receita Federal, José Tostes Neto, o presidente do Consefaz (conselho que reúne os secretários estaduais de Fazenda), Rafael Fonteles, defendeu que a proposta do governo de unificação do PIS/Cofins seja votada junto com as outras que tramitam no Legislativo para a unificação dos demais tributos estaduais e municipais sobre o consumo.

Além disso, a proposta federal para a CBS tem falhas graves e é inoportuna politicamente. Mantém muitas exceções e impostos monofásicos, propõe alíquota excessivamente elevada (12%), que muito provavelmente resultará em aumento da carga tributária, e, sem um mecanismo de transição suave como o da PEC 45/2019, eleva, no curto prazo, a tributação dos serviços, sabidamente o setor mais prejudicado pela crise econômica desencadeada pela pandemia de covid-19. Isso provocará enorme resistência de vários segmentos, dificultando muito a tramitação da matéria.

É preciso mais humildade e diálogo da parte do Ministério da Economia, sem o que ficará difícil avançar no processo de reformas econômicas. Infelizmente, essa atitude é rara de encontrar no governo Bolsonaro.

* ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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