Assaltos a banco têm elo com PCC, custo milionário e devem aumentar

Criciúma, Araraquara, Botucatu, Ourinhos, Bauru, Araçatuba e Ponta Grossa. Mesmo separadas por longas distâncias geográficas, as cidades de Santa Catarina, São Paulo e Paraná protagonizaram nos últimos meses uma série de ataques cinematográficos, que seguem o mesmo roteiro.

Homens fortemente armados, com pistolas e fuzis de guerra, executam assaltos em instituições bancárias em municípios de pequeno e médio porte, fazem a população refém, lançam explosivos em bases da polícia e fogem por rotas alternativas levando elevadas quantias.

Essas quadrilhas, que vem sendo chamadas de grupos do “novo cangaço”, têm ligação com a organização criminosa do PCC (Primeiro Comando da Capital) e investem valores milionários para executar as ações que, segundo especialistas e agentes de segurança pública ouvidos pelo R7, devem se intensificar nos próximos meses.

“O assalto de Criciúma tem bastante semelhança com os demais roubos ocorridos em Araraquara, Ourinhos e Botucatu, no estado de São Paulo”, afirma Lincoln Gakiya, promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público. De acordo com o promotor, existem no Estado cinco quadrilhas especializadas em roubos a bancos e carros-forte. “Em São Paulo, são todos integrantes do PCC. Com isso, é possível que integrantes de peso da facção tenham participado do assalto em Criciúma”, diz.

As ações, explica o promotor, são organizadas por pessoas que aparentemente possuem treinamento militar, utilizam armamentos de grosso calibre, veículos blindados, explosivos. “Não são planos elaborados da noite para o dia. Os organizadores visam agências distribuidoras do Banco do Brasil porque, normalmente, sabem quando estarão abastecidas e, por isso, vão nos dias certos.”

 

A ação de Criciúma já é considerada o maior roubo a banco da história de Santa Catarina. “Há possibilidade de ter contado com criminosos paulistas membros do PPC”, afirma Gakyia. Horas após os ataques que instauraram o terror na cidade catarinense, dez veículos foram encontrados abandonados em um milharal no município de Nova Veneza.

Outra característica comum a esse tipo de ação é o elevado investimento por parte dos executores. “São gastos com veículos blindados, locação de propriedades e pagamentos aos chamados freelancers da ação, além dos armamentos e explosivos”, afirma Cledson Luiz do Nascimento, delegado titular da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de Bauru. Estima-se que o assalto em Criciúma tenha custado aos organizadores entre R$ 600 mil e R$ 800 mil.

“Uma vez desabastecidas, as organizações se movimentam rapidamente para tentar compensar perdas de drogas”

Luís Antônio Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais

Apesar das semelhanças, há diferenças significativas entre os roubos nas cidades do interior de São Paulo e Santa Catarina e o assalto praticado na madrugada de quarta-feira (2) em Cametá, no Pará.

 

Nos primeiros casos, explica Luís Antônio Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, é empregado um poderio superior a todas as forças policiais do local na tentativa de se criar um ambiente de intimidação. Nos casos de cidades do Norte e Nordeste, há um aproveitamento dos gargalos das estruturas de segurança de municípios pequenos. “O novo cangaço se aproveita dessas fragilidades.”

De acordo com Boudens, os meses de novembro e dezembro se caracterizam por esse tipo de ação. “Há mais pagamentos de salários, subsídios em bancos e mais dinheiro em circulação”, afirma. O perito criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Cássio Thyone Rosa, ressalta que é possível esperar que ações semelhantes ao roubo em Criciúma se intensifiquem nos próximos 30 dias. “É um mês em que as pessoas recebem o 13º salário. As empresas estatais bancárias devem estar preparadas para esses ataques.”

 

Para o perito criminal, a hipótese de relação com o PCC surgiria inevitavelmente. “Não há como cravar esse envolvimento, mas nenhum comandante de investigação desconsideraria essa possibilidade”, afirma.

Além disso, é preciso lembrar, segundo o presidente da Fenapef, que o crime organizado possui dinamismo em suas ações. “Ocorreu, recentemente, uma apreensão de um grande volume de cocaína – algo incomum para este tipo de substância. Assim, uma vez desabastecidas, as organizações se movimentam rapidamente para tentar compensar essas perdas”, Boudens.

Rosa explica que, na maioria dos casos, o dinheiro roubado é utilizado como capital de giro para as facções ou ainda na comprar drogas de fornecedores, reabastecendo parte da estrutura criminal abalada em operações policiais.

Ações planejadas

Característica comum a todos os últimos grandes assaltos a bancos é a sofisticação. O planejamento para executar esse tipo de ação, segundo Rosa, envolve diversas vertentes. “A recorrência das ações pode estimular outras semelhantes e de forma aprimorada”, afirma.

Todos os aspectos, segundo o perito criminal, são ponderados minuciosamente pelos comandos das quadrilhas. “Eles estudam o tamanho do efetivo da polícia, os tempos de deslocamento da cidade, os locais de hospedagem e as distâncias das rotas de fuga em relação aos pontos de ataque”, diz.

“Os participantes podem ser contratados de forma pontual, mas o núcleo organizador do crime é o mesmo”

Cledson Luiz do Nascimento, delegado de Bauru

O delegado de Bauru, que preside uma investigação sobre o assalto em Ourinhos, ocorrido no dia 2 de maio, explica que os suspeitos envolvidos nesse tipo de ação conseguem se reagrupar rapidamente. A ação na cidade do interior paulista foi orquestrada por cerca de 30 homens equipados com armamentos de calibre .30 e .50, além de explosivos.

“Temos três pessoas presas e seis identificados como participantes do núcleo da organização criminosa paulista até o momento”, afirma Nascimento. O policial explica que os homens responsáveis pela patrulha na execução dos assaltos costumam ser contratados por empreitadas. “Eles participam de ações pontuais, mas o núcleo organizador do crime é o mesmo.”

Nesse momento, a polícia de São Paulo está em contato com as equipes de investigação de Criciúma. “Estamos compartilhando informações, provas e materiais coletados”, afirmou Nascimento. Segundo ele, também estão sendo analisados laudos periciais com materiais genéticos de pessoas acusadas de participar do assalto em Ourinhos para verificar se há a participação dos mesmos suspeitos no roubo da cidade catarinense.

Investigação e integração das polícias

 

O roubo a banco é um crime que não pode ser previsto. No entanto, quando ele ocorre as polícias militar e civil devem agir para coletar o maior número possível de dados e informações para compor as investigações.

“Os trabalhos periciais são fundamentais nos hotspots, como fragmentos de explosivos, impressões digitais e os chamados vestígios determinantes, ou seja, aqueles que são capazes de identificar um suspeito, como material biológico ou sangue”, afirma o perito criminal.

Porém, segundo Rosa, ter acesso a este material não adianta se não vier acompanhado de uma lista de suspeitos por parte da investigação. O cruzamento dessas informações com bancos de dados criminais, segundo o perito, é fundamental.

Investigações de crimes como estes, muitas vezes, podem contar com a atuação da Polícia Federal. “Sentimos falta da integração, muito se fala e pouco se faz. Nesses momentos é que se percebe as lacunas da integração entre as polícias. É preciso compartilhar dados, informações de diferentes instituições”, afirma Rosa. No caso de Criciúma, Boundes acredita que a investigação da polícia de Santa Catarina deva fazer parte de uma apuração maior sobre a atuação desses grupos.

“Temos a atribuição de agir em casos de assaltos a Caixa Econômica Federal, quando for verificada a existência de uma organização criminosa e em casos de extensão interestadual”

Luís Antônio Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais

De acordo com Boundes, a Polícia Federal pode agir em situações específicas. “Temos a atribuição de agir em casos de assaltos a Caixa Econômica Federal, quando for verificada a existência de uma organização criminosa e em casos de extensão interestadual”, diz. “O ministro da Justiça pode autorizar a atuação da Polícia Federal. Ele tem prerrogativa legal para fazer isso”, afirma. Assim, a PF pode colaborar, abrir uma investigação independente ou assumir o caso nacionalizado.

Com a atuação da Polícia Federal, Boundes explica que agentes federais podem colaborar na coleta de impressões iniciais e fazer cruzamentos em bancos de dados próprios. Além disso, pode ocorrer o envio de agentes especializados no combate ao crime organizado.

 

Um dos grandes entraves às investigações criminais é a ausência de um banco de dados criminal unificado. “Havia um sistema que dependia da alimentação de órgãos do judiciário e criou-se uma dificuldade com isso. Hoje, precisamos integrar esses bancos. Não só com dados criminais, mas com informações sobre os modos operandi das quadrilhas.” Enquanto isso não acontece, mais cidades do interior de todo o país seguem expostas a ação desses grupos criminais.

 

Fonte: Conteúdo ms

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