Às margens da Rota Bioceânica, moradores da Capital falam de expectativas de emprego e medo de impactos negativos
Nas ruas sem asfalto, às margens de uma das rodovias que contornam Campo Grande, moradores da região do Bairro Lageado têm mais preocupações do que entusiasmo com a chegada da Rota Bioceânica, o caminho por terra e mar que vai ligar os portos do Brasil e da Ásia, passando por Mato Grosso do Sul.
As oportunidades de negócios, que animam grandes investidores e pequenos comerciantes, só chegarão às famílias da periferia se a qualificação profissional chegar, literalmente, até o bairro, além das políticas para reforçar a segurança e a saúde pública, na opinião dos moradores. No Lageado moram quase 15 mil pessoas.
A rota vai passar bem perto também dos bairros Moreninha, Centro-Oeste, Los Angeles, Centenário, Tarumã e Coophavila II. Ao todo são mais de 98 mil moradores nessa região, conforme dados do Censo de 2010, disponíveis no Sisgran (Sistema Municipal de Indicadores de Campo Grande).
Há 11 anos no Bairro Lageado, mãe de quatro meninas, a artesã Maria Claudelina Arias, de 42 anos, revela preocupação com a vulnerabilidade das famílias da região, quando questionada sobre as expectativas com a Rota.
A Rota vai ser em parte boa e em parte ruim. O bom é que vamos ser mais vistos, porque somos praticamente esquecidos pelas autoridades, que só vêm em época de eleição. Com esses empreendimentos grandes que virão, terá mais movimentação. O ruim é que haverá mais chances dos rapazes iludirem as moças e aí, consequentemente, vêm as doenças e gravidez”, comenta Maria Claudelina.
A segurança tem que vir primeiro, na opinião da moradora Adelina Silva de Araújo, de 46 anos, que está desempregada e faz trabalho voluntário em no Instituto Misericórdes.
Vai ser perigoso para as mulheres e crianças, teremos que ter reforço de policiais e até um posto que a gente possa ligar e eles virem, porque geralmente a gente liga e a polícia não vem, acha que é trote e tem mesmo muito trote. Então, vamos precisar de um posto aqui”, sugere Adelina.
Quanto aos empregos que surgirão, as moradores acreditam que as pessoas conseguirão aproveitar as oportunidades somente se forem oferecidos cursos gratuitos dentro dos bairros.
Conhecedor da realidade da vulnerabilidade social do bairro, o Frei Jairo Silva de Souza, integra a direção do Instituto Misericórdes. Todos os dias crianças da região participam de ações educativas no local. Ao lado o Cecapro (Centro de Capacitação Profissional), na Rua Evelina Figueiredo Selingardi, está fechado. O lugar serviu para acolher moradores de rua na época da pandemia de covid-19.
O instituto quer levar à prefeitura a ideia de reabrir o Cecapro com cursos que preparem os moradores desempregados, que não são poucos, para as vagas de emprego. O Frei acredita que os cursos terão que ocorrer dentro do bairro, porque as famílias não têm condições de investir em transporte para a região central da cidade.
Já procuramos algumas empresas que estão sendo instaladas na região para atender o movimento da Rota Bioceânica. Em um deles, recebemos a informação de que os empregados serão todos de fora e não teria como empregar gente daqui porque não estão preparados para as funções. Um restaurante informou que vão servir brioche chileno, por exemplo”, conta o Frei.
Integrante da direção do Instituto Misericórdes, Frei Jairo Silva de Souza. (Foto: Marcos Maluf)
Cursos online – A Prefeitura Municipal de Campo Grande oferece 79 cursos online. O projeto “Juventude na Rota” tem capacitações nos eixos Rota que Emprega, Rota do Empreendedorismo, Rota da Inclusão Digital, Rota da Educação, Rota Agro-logística, Rota do Marketing Digital e Rota Tech.
Há cursos de atendente de farmácia, matemática financeira, operador de empilhadeira, redação Enem, Windows 10, designer e desenvolvedor de aplicativos para Android, entre outros. Ao todo serão oferecidas 10 mil vagas.
O projeto Telecentro no Meu Bairro oferece espaços com computadores e acesso à internet nos bairros. Pela BR-163 também devem chegar caminhões de carga com destino ao Chile.
Jovens utilizam computadores em unidade do projeto “Telecentro no meu Bairro”. (Foto: Divulgação/PMCG)
Nessa entrada da cidade, o Bairro Maria Aparecida Pedrossian já conta com unidade do projeto “Telecentro no meu Bairro”. Os bairros Coophavila e Coophatrabalho também já têm polos com computadores para acesso aos cursos on-line em associações parceiras.
Questionada sobre políticas públicas para minimizar possíveis impactos negativos da Rota nos bairros periféricos, a prefeitura não detalhou ações previstas.
“Acredita-se que o alinhamento político e econômico será natural com a geração de emprego e renda, além do aumento dos investimentos externos e crescimento na arrecadação de impostos. Aumentando a articulação entre as estruturas governamentais de Mato Grosso do Sul, Bolívia, Assunção, Buenos Aires e demais províncias/departamentos, o que fortalecerá o desenvolvimento de parcerias internacionais, formação de redes universitárias e maior intercâmbio cultural regional. Tais esforços transformarão Campo Grande e o Estado de Mato Grosso do Sul num grande hub de distribuição”, diz a nota da prefeitura em resposta aos questionamentos sobre a influência da Rota em bairros periféricos.
Caminho – A Rota será realidade a partir de 2025, quando terminar a obra da ponte sobre o Rio Paraguai, entre a cidade paraguaia Carmelo Peralta e Porto Murtinho, a 439 quilômetros da Capital. O investimento é de 92 milhões de dólares.
Hoje, os navios de cargas para exportação têm que dar a volta na América Latina para deixar o oceano Atlântico e chegar ao Pacífico pelo Canal do Panamá, de onde seguem para a China, o país que mais compra produtos agropecuários de Mato Grosso do Sul.
Imagem da Rota Bioceânica e trajetos atuais do mercado de exportação disponibilizada pela Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação)
Apesar de faltar ainda dois anos para a ponte ficar pronta, a Rota já movimenta o comércio ao redor da Capital. Na BR-262, posto e churrascaria abrem para aproveitar fluxo que vai crescer gradativamente.
Além disso, a Taurus vai migrar para o local a sua base de distribuição de combustível. Atrás do posto, nove tanques estão sendo instalados para receber o produto.
Trajeto entre Campo Grande e Porto Murtinho, que integra a Rota Bioceênica. (Imagem: Sisgran/Arte: Thiago Mendes)
– CREDITO: CAMPO GRANDE NEWS