Após “vale da sombra da morte”, pastor cita bíblia para defender medidas contra covid-19
Fiscal de rendas aposentado e pastor da igreja Ministério Atos da Justiça, Gladston Amorim, o Dinho, 58 anos, precisou contrair a covid-19 e visitar o “vale da sombra da morte” para mudar de ideia sobre a pandemia. Curado da doença, que lhe custou 51 dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), ele recorre a bíblia para defender as medidas de prevenção contra a pandemia, como distanciamento social e uso de máscaras.
A história foi contada no sábado (8) pelo jornal Folha de São Paulo. Famoso por defender o kit covid, que inclui a polêmica cloroquina, Dinho acreditava que tudo não passaria de “gripe inofensiva”. Esta crença tem muitos adeptos entre os cristões, evangélicos ou católicos.
Aos 57 anos de idade, sem qualquer comorbidades, o pastor contraiu a covid-19 e passou 51 dias no hospital. Ele foi intubado e submetido a traqueostomia. No período de internação, teve enfisema e dois choques sépticos, quando contraiu a pior bactéria hospitalar.
Ao jornal paulista, ele contou que visitou o “vale da sombra da morte”, descrito nas sagradas escrituras. “Era um lugar tenebroso, mas eu não sentia medo. Escuro para todos os lados, a única coisa clara era onde eu pisava, (o chão era) como um verme gigantesco com pelos, que se movimentava como esteira rolante de aeroporto”, descreveu.
Como relatou durante todo o ano passado aos fiéis e aos jornais da Capital, ele contou que menosprezou a capacidade de contágio e a gravidade da doença. Ele acreditava que ficaria afastado da igreja por 15 dias. Foram 100 dias longe do púlpito. O pastor se penitenciou de que tinha “avaliações erradas” sobre a pandemia.
“Cheguei a ficar com raiva da máscara”, afirmou. Na sua opinião, o Governo estava “colocando cabresto social nas pessoas”. A máscara é considerado o principal instrumento para evitar a transmissão do SARS-COV 2.
Gladston Amorim passou a defender os protocolos de prevenção defendida por especialistas e autoridades de saúde. Pastor Dinho recorre ao livro de Levíticos, onde Deus diz que cabe aos sacerdotes avaliar quem contraia a lepra, definindo o tempo de isolamento.
“Quem ficar leproso, apresentado quaisquer desses sintomas, usará roupas rasgadas, andará descabelado, cobrirá a parte inferior do rosto e gritará: ‘Impuro! Impuro! Enquanto tiver a doença, estará impuro. Viverá separado, fora do acampamento”, diz o trecho do Antigo Testamento citado pelo religioso.
“Distanciamento social e máscaras são bíblicos. Há 3.500 anos, Deus já estava nos ensinando isso”, relembra, agora, após contrair a doença e atribuir a superação a um milagre.
Ao jornal Folha de São Paulo, Gladston Amorim se mostra contra a esquerda e fã do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O curioso é que o pastor foi superintendente de Administração Tributária na Secretaria Estadual de Fazenda na gestão de Zeca do PT, um político até hoje conhecido por ser de esquerda em Mato Grosso do Sul. Enquanto ocupou o cargo no alto escalão petista, o religioso nunca se manifestou contra o petista.
Ele não enviou nenhum recado a Bolsonaro, que incentivou as aglomerações e minimizou a magnitude da pandemia. No entanto, ele manda um recado para a sociedade.
“Covid não é questão política, é de saúde. O vírus não é de direita nem de esquerda. Existe um exagero, uma polarização. É ruim tanto para um lado quanto para o outro. Entendo que questão econômica é fundamental. O Brasil estaria há um ano sem gerar renda se fosse fazer a vontade dos extremistas”, afirmou ao jornal paulista.
Dinho é adepto da teoria da conspiração, de que os progressistas estariam por trás da covid-19. “Vocês nunca viram o sr. (Bill) Gates de máscara, nem George Soros. Vocês não vão ver. Existe manipulação? Existe”, afirmou, repetindo a teoria sem qualquer prova.
Ele considerou o aniversário, em dezembro, quando completou 58 anos, o renascimento. “Hoje vivo pela fé, mas sou zeloso com cuidados na saúde”, concluiu. Ele garante que a igreja não aceita fiéis sem máscara.
Conforme boletim da Secretaria Estadual de Saúde, até ontem, 145.048 pessoas contraíram a covid-19 e 2.587 morreram.
Por Edvaldo Bitencourt
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