Ambientalistas alegam que MPMS quer mudar a lei para desmatar Parque dos Poderes
Em petição protocolado na 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, um segundo grupo de ambientalistas – representantes de uma entidade informal de defesa ao meio ambiente – solicitou à Justiça inclusão como assistentes da ação que discute o desmatamento no Parque dos Poderes. No pedido, os ambientalistas questionam a atuação do MPMS (Ministério Público Estadual) no processo, além da tentativa de alterar Lei Estadual de proteção à área.
“Existe uma lei de 2018 que diz que o Parque dos Poderes é intocável, a não ser em áreas construídas ou em sete pontos previamente delimitados. O Ministério Público tenta fazer acordo que prevê revogar essa determinação para que sejam incluídos outros locais passíveis de desmatamento”, explica Carmelino Rezende, advogado que representa os ambientalistas.
Segundo ele, caso o acordo seja homologado, municiará apreciação de alterações na lei pela Alems (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul), órgão competente para modificar a legislação, a fim autorizar a supressão da vegetação tanto para a abertura de estacionamentos como parta a construção de um prédio.
“É um acordo contrário à Lei atual e o Ministério Público tem dever institucional de defender a lei vigente. Não tem cabimento revogar uma lei que protege uma área do desmatamento, para mandar para a Assembleia alterar depois”, acrescenta.
No pedido encaminhado ao juiz, além de pedir inclusão no processo para acompanhar de perto as movimentações da ação, a entidade de proteção ao meio ambiente solicita que o Ministério Público desista de intermediar o acordo proposto.
Novo relatório
Além do pedido de ingresso pelos ambientalistas, a ação também conta com apresentação de relatório técnico do acordo que poderá promover desmatamento de quase 18,6 hectares para construção de estacionamentos e prédios públicos no Parque dos Poderes.
O relatório data de 8 de novembro e foi anexado na última sexta-feira (10) em ação de Tutela Cautelar Antecedente que discute a legalidade de supressão de vegetação na região, considerada uma APP.
O documento é composto por Análise e Parecer Técnico expedido por engenheiro ambiental do MPMS e técnicos da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), que afirmam que as áreas a serem suprimidas não estão inseridas em APP (Área de Proteção Permanente) prevista na lei de criação do Complexo dos Poderes, onde se encontra o Parque.
A apresentação de detalhamentos do acordo foi determinada pelo juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, coletivos e individuais homogêneos de Campo Grande, durante audiência no último dia 3 de outubro. Na ocasião, a tramitação do processo foi suspensa por 30 dias, a fim de que se viabilizassem os documentos.
O relatório apresentado também alega que o reflorestamento ou replantio de vegetação nativa fora do Complexo em qualquer área pública de Campo Grande pode ser medida de compensação pelo desmatamento.
A argumentação se baseia no disposto de anexos da Lei Estadual n.º 5237/18, que criou o Complexo dos Poderes, que abrange o Parque das Nações Indígenas, Parque dos Poderes e o Parque Estadual do Prosa.
Nesse contexto, a conclusão do relatório técnico recorre a trecho do acordo judicial firmado em agosto, entre o MPMS e o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), segundo o qual “em havendo áreas de preservação permanente, conforme definição da Lei n.º 12.651/2012 e na legislação do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), o órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão arbórea apenas nas hipóteses legais”, as quais seriam “utilidade pública, interesse social e/ou baixo impacto ambiental (…) e desde que não haja alternativa técnica e locacional ao projeto”.
O documento contém mapa confeccionados por técnicos da Agraer, apresentado em outubro deste ano, com a delimitação de faixas de áreas de preservação permanente, lindeiras às áreas afetadas, áreas reservadas para alteração e ampliação dos estacionamentos.
Segundo a análise, as áreas a serem desmatadas não estariam inseridas na APP (Área de Preservação Permanente), que contemplaria nascentes e leito regular dos córregos Desbarrancado e Joaquim Português (veja imagens).
O detalhamento anexado aos autos é assinado pelo procurador-geral de Justiça do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), Alexandre Magno Benites de Lacerda, e pelo promotor de Justiça titular da 34ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, Luiz Antônio Freitas de Almeida. Também assinam Ana Carolina Ali Garcia, procuradora-geral do Estado de Mato Grosso do Sul, e seu adjunto, Márcio André Batista de Arruda, que representam o Governo do Estado.
Assistente ativo, SOS Parque dos Poderes pediu estudo de impacto ambiental e inconstitucionalidade de Lei Estadual
Na ação, ainda há participação de integrantes do movimento S.O.S. Parque dos Poderes, que movem ação civil contra desmatamento dentro do Complexo. A entidade foi responsável por mobilização popular contra a supressão de vegetação em área também dentro do Complexo, e posicionou-se contra acordo anunciado em agosto.
Nos pedidos para atuar como assistente no pólo ativo, a organização requereu a não-homologação do acordo firmado e, em caso negativo, a suspensão do mesmo até providenciar-se análise de impacto ambiental da supressão, a partir da qual deveria ser decidido a validade do acordo. A SOS Parque dos Poderes também pontuou que os artigos 2º e 3º da Lei Estadual que criou o Complexo iam de encontro ao Código Florestal, criado a partir de Lei Federal no ano 2000.
Não obstante à participação dos manifestantes nos autos, o MPMS pontuou que, ao contrário do alegado pela organização, não haveria indisponibilidade do direito ao meio ambiente, considerando que o acordo proposto “efetivamente salva 11,05 hectares de vegetação nativa” frente ao que havia sido proibido pelo Tribunal de Justiça, no caso, 3,31 hectares. “O acordo, portanto, não permite o desmatamento. É a lei que o faz”, detalha argumentação do MPMS, assinada pelo promotor de Justiça Luiz Antônio Freitas, de setembro deste ano.
A peça também pontuou pela desnecessidade de um estudo de impacto ambiental, com base na Resolução Conama n.º 1/86, que não preveria hipótese de necessidade de estudo de impacto ambiental para o caso dos autos. E “inexistência de inconstitucionalidade”, já que a lei que criou o Complexo surgiu já com ressalvas de algumas áreas em relação ao regime de proteção.
A partir de então, o magistrado acatou o pedido de adesão dos ambientalistas aos autos, mas designou audiência na qual as partes seriam ouvidas e uma decisão seria tomada. Assim, na data marcada, 3 de outubro, a falta de um gráfico com exatidão das áreas degradadas foi questionado pela advogada dos ambientalistas, Giselle Marques de Araújo. Ela solicitou ao juiz que as partes apresentassem a locação das áreas de preservação permanente a serem desmatadas, que teria embasado o acordo. Ela também argumentou que o acordo menciona que APP só poderia ser desmatada nas hipóteses do Código Florestal.
‘Acordão’ para esquentar desmatamento
O acordo fechado entre o MPMS, Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) e Governo do Estado é visto por ambientalistas e por denunciantes como tentativa de ‘esquentar’ desmatamento feito há mais de seis meses no Parque dos Poderes sem licenciamento ambiental.
A derrubada na área que abriu novas vagas de estacionamento na Sefaz-MS ocorreu enquanto a ação para preservação da área corria na Justiça, denunciam servidores.
Segundo apurado pelo Jornal Midiamax, o estacionamento em frente ao prédio da Sefaz está em funcionamento há pelo menos seis meses. Fonte próxima ao projeto — que terá o anonimato garantido — afirma que as vagas foram liberadas nos primeiros meses deste ano, porém agora foi feito o cascalhamento.
“Foi feita a guia do meio fio, pintaram e colocaram cascalhamento”, explicou, detalhando ser um processo recente. Porém, garante que “faz mais de seis meses que [o estacionamento] estava feito”.
Servidores que acompanhavam a tramitação da ação judicial que tenta regularizar a derrubada de vegetação no Parque dos Poderes denunciam que o desmate para construção de novas vagas na Sefaz chamou atenção por acontecer justamente enquanto processo de licenciamento ambiental era discutido.
As imagens aeroespaciais do Google registram a área do estacionamento ‘novo’ já desmatada em abril de 2023.
Então, as novas vagas da Sefaz podem ter sido criadas a partir de supressão vegetal irregular no Parque dos Poderes. Além disso, o registro dos satélites aponta modificação na vegetação natural atrás dos prédios da Sefaz. Nesta área, há materiais de construção e um ‘pergolado de madeira’.
Acordo não cita estudo ambiental
O ‘acordão’ que liberou desmatamento de 19 hectares de vegetação nativa no Parque dos Poderes não cita se há licença ambiental. No entanto, a autorização é obrigatória em qualquer área com vegetação nativa. Essa obrigação consta na Lei nº 12.651/12 (Novo Código Florestal) que atribui às florestas e demais formas de vegetação um caráter de interesse público, ou seja, de interesse de todos os indivíduos.
O órgão responsável por emitir esses licenciamentos em Mato Grosso do Sul é o Imasul. O tamanho da área que o acordo libera para desmate corresponde a 19 campos de futebol.
Além disso, a área representa cinco vezes mais que o autorizado inicialmente pelo Imasul, há quatro anos, quando houve um estudo de impacto ambiental.
Construção de prédios públicos e estacionamento
Assinado em 17 de agosto, o acordo permite o desmatamento para ‘ampliação do centro político-administrativo do Estado’. Além disso, o texto assinado pelas três partes aponta que a área de preservação é de 175,66 hectares, 11,05 a mais do que estipulado em lei.
No entanto, segue autorizado o desmatamento de quase 19 hectares. As áreas que integram esses 11,05 hectares de preservação fazem parte da PGE (Procuradoria Geral do Estado), Batalhão de Polícia de Choque, Sefaz (Secretaria de Fazenda), além de outros espaços passíveis de desmate que estariam liberados para construção ou ampliação dos órgãos.
MPMS recuou
Em 2019, o MPMS entrou com ação, com pedido de tutela de urgência para barrar o desmatamento no Parque dos Poderes. Então, populares e ambientalistas se uniram em baixo-assinado com mais de 11 mil participantes para denunciar a supressão vegetal. A Justiça concedeu a tutela em 19 de novembro daquele ano e, em caso de descumprimento, o Governo do Estado seria multado em R$ 5 mil.
Na época, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa pontuava que a decisão foi tomada devido à possível lesão direta ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ainda deu prazo para que o Estado e o MPMS apresentassem provas de que o desmatamento do Parque seria feito sem prejuízos a fauna e flora.
No entanto, o Estado entrou com pedido para suspender a liminar que paralisou as construções. Assim, em 3 de dezembro de 2020, foi determinada a retomada das obras, sob a justificativa de que o desmatamento já havia sido concluído e paralisar as obras poderia ser um ‘risco à ordem administrativa’.
midiamax