Afeganistão: Tumulto em aeroporto deixa mortos; voos são cancelados
Um tumulto no aeroporto de Cabul deixou mortos hoje, enquanto centenas tentavam entrar à força em aviões que saíam da capital do Afeganistão, agora dominado pelo Taleban. Com a situação caótica, a autoridade aeroportuária anunciou o cancelamento dos voos comerciais.
Ainda não há um balanço de vítimas, mas, segundo a agência Reuters, testemunhas relataram a morte de cinco pessoas, sem especificar se as vítimas foram atingidas por tiros ou pisoteadas durante o tumulto. Já o jornal norte-americano The Wall Street Journal fala em três mortos por armas de fogo.
Vídeos divulgados nas redes sociais mostram milhares de pessoas aguardando na pista do aeroporto. Muitas pessoas, jovens em sua maioria, se agarravam a escadas para tentar embarcar em um avião.
This is, perhaps, one of the saddest images I’ve seen from #Afghanistan. A people who are desperate and abandoned. No aid agencies, no UN, no government. Nothing. pic.twitter.com/LCeDEOR3lR
—Nicola Careem (@NicolaCareem) August 16, 2021
Another day begins in Kabul, a sea of people rushing into the Kabul airport terminal. #AFG pic.twitter.com/UekpGJ2MWd
—Jawad Sukhanyar (@JawadSukhanyar) August 16, 2021
#Afghanistan: Total chaos and helplessness at Kabul airport this morning (August 16).pic.twitter.com/16nHRO0RCY
—Ahmer Khan (@ahmermkhan) August 16, 2021
A vitória relâmpago dos insurgentes, que celebraram ontem ocupando o palácio presidencial de Cabul, desencadeou cenas de pânico e o caos.
Por enquanto, os talebans não controlam o aeroporto da capital, que se tornou a única porta de saída do país. As agências de notícia indicaram que, diante do caos, as forças americanas presentes no local atiraram para o alto, na tentativa de acalmar os cidadãos desesperados. Mas o resultado foi o contrário: um imenso movimento de massa se formou e muitos foram pisoteados e mortos.
O aeroporto de Cabul também acolhe algumas embaixadas estrangeiras, agora entrincheiradas na espera da evacuação de funcionários. O serviço diplomático americano retirou sua bandeira nesta manhã. A embaixada americana na capital afegã pediu aos cidadãos que ainda estão no país para não ir até o aeroporto.
A multidão não acredita nas promessas dos talebans de que ninguém deve temer o movimento. Todos afirmam ter “muito medo”.
Cabul é palco de um caos sem precedentes desde a noite de ontem. Imensas filas se formaram diante dos bancos na tentativa dos cidadãos de retirarem suas economias e fugir do país. Lojas fecharam suas portas e os policiais trabalhavam sem o uniforme.
“Temos medo de viver nesta cidade e estamos tentando fugir de Cabul (…) Como servi no exército, perdi meu trabalho e é perigoso viver aqui porque os talebans vão me atacar, isso é certo”, declarou à AFP Ahmad Sekib, de 25 anos, que se apresenta com um pseudônimo.
As ruas de Cabul eram patrulhadas por talebans armados, em particular a “zona verde”, antes uma área ultrafortificada, que abriga as embaixadas e as organizações internacionais.
Os talebans anunciaram a seus combatentes que “ninguém pode entrar na casa de outro sem permissão”.
“Não se pode atentar contra a vida, a propriedade, a honra de ninguém”, afirmou um dos porta-vozes do grupo, Suhail Shaheen.
“Servir a nossa nação”
Depois de fugir do país, o presidente Ashraf Ghani admitiu ontem a vitória dos talebans.
Em um vídeo divulgado nas redes sociais, o cofundador dos talebans Abdul Ghani Baradar anunciou a vitória do movimento. “Agora temos que mostrar que podemos servir a nossa nação e garantir a segurança e o bem-estar”, disse.
O colapso é total para as forças de segurança afegãs, financiadas durante 20 anos com bilhões de dólares do governo dos Estados Unidos.
O movimento islamita radical iniciou uma ofensiva em maio, após o início da retirada das tropas estrangeiras, em particular americanas.
Em 10 dias os talebans tomaram o controle do país, 20 anos depois de terem sido expulsos por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos devido a sua recusa para entregar o líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, após os atentados de 11 de setembro de 2001.
O governo dos Estados Unidos enviou 6 mil soldados ao aeroporto para retirar os funcionários da embaixada e afegãos que atuaram como intérpretes ou em outras funções.
Muitos diplomatas e estrangeiros foram retirados às pressas de Cabul ontem. A França iniciará o processo de saída hoje.
O Conselho de Segurança da ONU se reunirá hoje a partir das 14h GMT (11h de Brasília) para debater a situação.
A Rússia anunciou que seu embaixador em Cabul se encontrará amanhã com os talebans. Moscou decidirá se reconhece ou não o governo dos insurgentes com base em suas “ações”, afirmou o ministério das Relações Exteriores.
A Alemanha deseja enviar soldados ao Afeganistão para retirar seus cidadãos e afegãos sob ameaça, afirmaram fontes parlamentares.
Os cidadãos afegãos e estrangeiros que desejam fugir do Afeganistão “devem ser autorizados a sair”, afirmaram Estados Unidos e outros 65 países em um comunicado conjunto, com a advertência de que os talebans devem demonstrar “responsabilidade”.
Pílula amarga para Washington
O presidente Joe Biden estava decidido a retirar as tropas de seu país até o fim de agosto e insistiu que não passaria esta guerra – a mais longa da história dos Estados Unidos – a outro presidente.
“Isto não é Saigon”, afirmou ontem o secretário de Estado americano, Antony Blinken, ao recordar a queda da capital vietnamita, em 1975, um momento doloroso para os Estados Unidos.
Mas a pílula é amarga para Washington, que não conseguiu construir um governo democrático capaz de resistir aos talebans, apesar do investimento de bilhões de dólares e do apoio militar durante duas décadas.
Para dezenas de milhares de pessoas que buscaram refúgio em Cabul nas últimas semanas o sentimento era de apreensão e temor.
“Temo que aconteçam combates aqui. Prefiro retornar para casa, onde sei que já parou”, declarou à AFP um médico de 35 anos que chegou à capital, com a família, procedente de Kunduz.
Quando governaram o Afeganistão, entre 1996 e 2001, os talebans adotaram uma versão extremamente rigorosa da lei islâmica.
Nas últimas semanas, os insurgentes prometeram que, se retornassem ao poder, respeitariam os direitos humanos, em particular os das mulheres, de acordo com os “valores islâmicos”.
Mas nas áreas que conquistaram nas últimas semanas já foram acusados de atrocidades.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, fez um apelo para que os talebans não cometam excessos, ao mesmo tempo que pediu respeito aos direitos das mulheres.
* Com informações da AFP, Reuters e RFI