Coronavírus: vacina BCG não cura e ainda nem provou ajudar no tratamento

Cientistas ao redor do mundo procuram tratamentos que sejam úteis no combate ao novo coronavírus, e uma das apostas está na vacina Bacille Calmette-Guerin (BCG). É uma tentativa, mas não cabe empolgação. Segundo três especialistas ouvidos pela reportagem do UOL, a pesquisa ainda está em estágio inicial e, mesmo que a vacina tenha alguma eficácia, não seria a cura para a doença.

Testes têm sido realizados em ao menos cinco países: Alemanha, Austrália, Grécia, Inglaterra e Holanda. De modo geral, os cientistas vão vacinar profissionais de saúde contaminados pelo coronavírus, esperando que a BCG diminua tanto a gravidade quanto a duração da doença. As pesquisas começaram há cerca de duas semanas.

A BCG foi criada há quase cem anos e tem como alvo específico a tuberculose, mas evidências colhidas nas últimas décadas sugerem que a vacina também reforça o sistema imunológico e reduz doenças virais e infecções respiratórias. Daí a ideia de testá-la contra o coronavírus, cuja contaminação seria supostamente menor em países que aplicam a BCG como política pública. Por enquanto, porém, é apenas uma tentativa.

“Não há nenhuma evidência científica de que esses medicamentos funcionem. Tudo até agora é esporádico, sem nenhum grau de comparação”, afirma o infectologista Marcos Boulos, da Superintendência de Controle de Endemias de São Paulo (SUCEN). Ele fala não só da BCG, mas também da cloroquina e da transfusão de plasma sanguíneo, outras possibilidades estudadas em meio à pandemia.

“Só há alguns trabalhos em laboratório, e o resultado da maioria frequentemente não se confirma em humanos. Por enquanto tudo é mera opinião, mero chute”, explica o infectologista.

Nova vacina demora, e tentativas são feitas “no chute”

Segundo projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS), criar uma nova vacina eficaz contra a covid-19 levaria pelo menos 18 meses. O processo é longo porque precisa ser cuidadoso, e a droga escolhida deve ser a melhor possível — não pode ser qualquer uma que apresente algum resultado positivo.

O primeiro passo é fazer o sequenciamento do genoma do vírus, o que já foi feito por várias equipes no Brasil. Em seguida os pesquisadores estudam a reação do vírus a diversas substâncias no laboratório, os chamados testes

in vitro

.

O medicamento eficaz também não pode ser tóxico a humanos, por motivos óbvios — e há mais testes para garantir isso. Se aprovado, passa a ser experimentado em pacientes de forma controlada, e os médicos comparam quem toma o remédio com quem não toma. A droga só pode ser usada em larga escala após ter seu efeito comprovado em uma amostragem suficiente de pessoas.

“Epidemias já tiveram várias, e nós sabemos como combater. O problema é mesmo o medicamento, porque os testes tomam uma porção de tempo”, avisa Marcos Boulos.

O infectologista da SUCEN não descarta, no entanto, que algum medicamento já existente possa ser eficaz contra a covid-19. Se alguma droga começar a curar pacientes da noite para o dia, ela muito provavelmente seria usada em larga escala antes de todos os testes usuais.

“Às vezes você chuta, quando vê que um medicamento funciona muito. Isso foi feito com AZT e a Aids”, recorda, referindo-se a uma droga que passou a ser usada como antirretroviral quase que por acaso. “Então dá para usar mesmo sem todos os critérios. Só que agora, por enquanto, não temos nenhuma evidência apontando para nenhuma direção. Dá para testar um milhão de medicamentos em laboratório, mas esse é só o início para eleger uma droga que pode ser que seja boa.”

Estudos estrangeiros não são suficientes

As pesquisas feitas na Austrália e em alguns países europeus por si só não são suficientes para que a vacina BCG, ou qualquer outra substância, possa ser usada no Brasil contra o novo coronavírus. Não dá para crer apenas nos estudos importados, alertam os especialistas.

“Nós precisamos escrever a nossa própria história, com a nossa visão da utilização desses produtos nos nossos pacientes”, explica o infectologista Jean Gorinchteyn, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. “E para isso ainda precisamos aguardar [os estudos], não adianta olhar para um ou outro doente, precisamos de uma amostra sólida, em que valha a pena apostar.”

Não que a falta de esperança deva ser regra, mas é preciso ser paciente. A ciência está reagindo à covid-19, reforçam os especialistas, mas a pressa não pode ser maior do que a responsabilidade.

“A doença tem menos de quatro meses. Há até uma rapidez muito grande nas possibilidades de estudo, mas também temos de saber que esses estudos levam tempo”, reforça Ralcyon Teixeira, chefe da Divisão Médica do Hospital Emílio Ribas, na capital paulista. “Todas as possibilidades são interessantes, mas existe um ritual científico para provar que algum tratamento realmente funciona.”

Em posicionamento divulgado na semana passada, a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) pediu cautela em relação à aplicação da vacina BCG no combate ao novo coronavírus. O texto aponta “falhas metodológicas significativas” em um estudo norte-americano que aponta suposta correlação entre a política de vacinação BCG com a redução da mortalidade da covid-19.

“Não é possível recomendar esta vacinação fora da rotina do programa nacional de imunizações”, conclui a ASBAI, ressaltando ainda que “há contraindicação da BCG em muitas formas de imunodeficiência primária e secundária, com risco de graves efeitos adversos”.

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