Demanda política de Lula só seria atendida com déficit de 1% do PIB em 2024
Na reunião ministerial desta sexta-feira (3), Lula voltou a afirmar que dinheiro bom para a Presidência é aquele que banca obras. – Joédson Alves/Agência Brasil
Com a banda de 0,25%, para mais ou para menos, prevista no novo arcabouço fiscal, o resultado poderia chegar 1,25%.
A estimativa já aparece nas contas de economistas dentro do governo e também no mercado financeiro. Warren Rena e Ryo Asset são casas que chegaram a 1% e 1,1%.
“Acredito que ainda conseguiremos manter o zero, mas se mudar, a depender do valor, não altera nada no ano que vem. Nossa projeção é de um déficit de 0,74% para 2024. Mas compromete a credibilidade do ajuste no longo prazo”, afirma Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.
“Se ao sinal de pressão política no primeiro ano, a meta já é alterada, o que impediria o governo de continuar alterando outras vezes?”, questiona.
A meta de déficit de 0,5%, que está em discussão no governo desde agosto, e foi antecipada pela Folha de S.Paulo, também vai exigir contingenciamento.
Caso a meta central fique em 0,75%, não haveria problema, por causa da banda de 0,25%. Ou seja, o governo poderia ter um resultado de até 1% (o que afastaria completamente o risco de contingenciamento).
Um grupo de integrantes do PT defende o 0,75%. “Já que vamos ter o desgaste de fazer a mudança, é melhor uma meta sem contingenciamento, e afinal, o 0,75% já é o déficit previsto pelo mercado”, diz o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ).
Diferentes economistas dizem que a saída seria o governo entender que o ajuste concentrado no aumento da receita, como foi proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está em xeque, além de aceitar a revisão dos gastos para complementar a consolidação fiscal.
Na reunião ministerial desta sexta-feira (3), Lula voltou a afirmar que dinheiro bom para a Presidência é aquele que banca obras. Analistas que fazem a ponte entre economia e política avaliam que será difícil Lula ceder e aceitar qualquer restrição orçamentária.
“O que não era dito publicamente em Brasília, mas todo mundo sabia, inclusive a equipe econômica, é que não há carta branca para contingenciamentos agressivos, porque o Planalto não quer restringir obras do PAC e programa sociais, com risco de comprometer a atividade econômica”, afirma Silvio Cascione, diretor da Eurasia no Brasil, empresa de consultoria e pesquisa de risco político.
Segundo ele, a equipe econômica queria levar a discussão desse tema para o ano que vem, quando teria mais clareza dos efeitos da redução dos juros e das medidas em favor da receita proposta pela Fazenda, mas o presidente não quis correr o risco diante da piora na economia.
“Lula viveu uma lua de mel mais longa do que todo mundo imaginava neste ano, e isso se refletiu na economia, que teve desempenho melhor do que o esperado. Nesse período mais tranquilo, o presidente deu um grau maior de liberdade para Haddad tocar a agenda”, afirma.
“O que vimos na semana passada foi o primeiro sinal importante, vindo do próprio Lula, de que esse período mais tranquilo está terminando. Não dá para dizer que vamos ter uma guinada na política econômica, mas Lula está mais refratário a medidas que possam afetar a economia e, por consequência, a sua popularidade.” Os dados que embasam a mudança são públicos.
A pesquisa da Quaest identificou queda na popularidade do presidente. A confiança do consumidor recuou. O emprego com carteira assinada parou de melhorar. Nos últimos três meses, se configurou uma tendência firme de piora da arrecadação de praticamente todos os itens. Até os fundos exclusivos e off shore, que fazem parte das medidas de incremento da receita, previstas pela Fazenda, têm desempenho abaixo do esperado.
Para o consultor, Lula também está atendendo ao Congresso. O contingenciamento afetaria as emendas. A mistura de piora da economia com uma eventual insatisfação parlamentar é tudo que o governo não quer.
Mais do que assegurar gastos, o presidente está preocupado com a estabilidade de seu mandato, avalia a cientista política Daniela Campello, professora de ciência politica da Ebape/FGV (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas) que lecionou na mesma área na Universidade de Princeton (EUA).
Campello e o colega Cesar Zucco estudaram a correlação entre economia e voto na urna em países emergentes. O resultado está no livro “The Volatility Curse: Exogenous Shocks and Representation in Resource-Rich Democracies”. O livro saiu pela Cambridge University Press e não tem versão em português.
A pesquisa referendou que o voto econômico é um fenômeno estabelecido também na América do Sul. Em bons tempos, as pessoas votam a favor do governo, nos maus, contra.
Os governantes locais são afetados mesmo quando a bonança ou a crise tenha origem internacional. Ou seja, sorte e azar afetam os resultados políticos nos emergentes.
No caso de crises persistentes, não apenas o presidente, mas as instituições de Estado são questionadas.
“Democracia precisa ter legitimidade, mas também eficácia: deve entregar algo para as pessoas. Quando a crise persiste, se a vida não melhora por muito tempo, o que se vê é o aumento da insatisfação com a democracia”, diz ela.
“Desde o auge do boom de commodities, nos anos 2000, até agora, houve uma despencada brutal no apoio à democracia na região, abrindo espaço para as aventuras que temos visto.”
O estudo também identificou que, na bonança, os presidentes tentam mudar as regras para permanecer no poder, e os mais populares conseguem. Em período de crises e baixa popularidade, é a oposição que tenta mudar as regras para tirar o presidente.
“Lula ganhou por pouco, não tem o controle do Congresso e o seu partido ainda sofre muita resistência. Eu não tenho dúvida de que a primeira estratégia é entregar alguma coisa para segurar a popularidade. É uma questão de sobrevivência”, diz Campello.
Ente os economistas, a leitura é que governo precisa ampliar o campo de análise quando avalia popularidade.
“É importante incluir nas suas contas as perdas que terá com a revisão da meta”, afirma Braulio Borges, economista-sênior da área de Macroeconomia da LCA e pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas).
“A estabilização da dívida e o superávit primário vão demorar mais para ocorrer, e como já estamos vendo, essa perspectiva eleva taxas de juros e dólar, o que repercute, lá na frente, em mais inflação e piora na economia.”
Vários economistas defendem que o governo precisa aceitar que há necessidade de um plano mais estrutural de corte de despesas.
“O governo interditou a discussão sobre a revisão de gastos, mas existem medidas para um ajuste justo, para usar um termo do Banco Mundial, que não prejudica os mais vulneráveis, mas melhora a eficiência da despesa”, afirma Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da Ifi (Instituição Fiscal Independente) do Senado.
Uma revisão no Cadastro Único de programas sociais, para tirar sobreposições irregulares, poderia dar uma economia perto de R$ 10 bilhões, diz ele. Uma reforma administrativa para servidores futuros seria uma sinalização positiva.
“O Ministério do Planejamento tem uma equipe trabalhando para isso. Por que não empoderar a agenda da ministra Simone Tebet, que representa uma coalizão de centro, fazendo uma composição entre aumento de receita e revisão de gasto para melhorar o plano de ajuste fiscal?”, pergunta Barros.
CORREIO DO ESTADO