Até 20 milhões de brasileiros vão ficar sem receber os R$ 600 de auxílio
Sem as diárias da limpeza que fazia duas vezes por semana, Thayne Cristina Poncen Monteiro, de 30 anos, não sabe o que fazer, a não ser esperar “o benefício do governo”. Conforme disse, “não trabalhou, não recebe, e a patroa não me quer lá mais por causa do vírus”. Sem carteira assinada, a moradora do Sol Nascente, no Distrito Federal, conta que sua renda, de R$ 800 antes das pandemia, agora é zero. Não bastasse a preocupação com a infecção, ainda tem que se virar para dar o que comer aos dois filhos, de 6 e 9 anos. “É ter fé em Deus”, resigna-se.
As histórias de autônomos sem saber de onde tirar a subsistência, no momento em que todos estão isolados socialmente, são inúmeras. Na última edição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada nesta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia em fevereiro 38 milhões de trabalhadores informais. Mas, desses, quantos terão realmente acesso ao benefício de R$ 600 anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro?
O governo não sabe quantas pessoas que estão fora das plataformas de registros, a fim de que possa fazer os repasses. Estimativas do secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, dão conta de que aproximadamente 20 milhões de pessoas estão fora da base de dados dos ministérios, o que daria em torno de 10% da população brasileira –– hoje em 211,3 milhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“O Brasil tem 11,9 milhões de desempregados, 4,7 milhões de desalentados, 38 milhões de informais, 19 milhões de pessoas que trabalham por conta própria e 100 mil pessoas que moram nas ruas. Essa soma dá 73,7 milhões de brasileiros. E são 14 milhões de famílias que recebem Bolsa Família. Se consideramos que uma família contempla quatro pessoas, são 56 milhões de pessoas no Bolsa Família. Então, ainda tem uns 20 milhões de pessoas que o governo vai ter que localizar”, indica, acrescentando com certo pessimismo. “E esse processo, em um país com as nossas dimensões, leva tempo”.
54 milhões
O governo federal espera contemplar 54 milhões de pessoas com o benefício, e o Bolsa Família, que será a primeira etapa desse pagamento, atende 14 milhões de pessoas. Os outros 40 milhões de trabalhadores tentarão ser “achados” de duas formas: por meio da base de dados do MEI e da lista de empreendedores individuais que contribuem com o INSS, no caso dos microempreendedores individuais; e por meio de um sistema digital, que o governo prometeu liberar para o cadastramento dos trabalhadores informais que não estão em nenhum programa de assistência social.
Esse sistema, contudo, ainda está sendo implementado, mas sem data de lançamento. Por enquanto, só pediu que os trabalhadores tenham calma e não corram às agências bancárias em busca do benefício.
Enquanto isso, os informais aguardam a ajuda. Também no Sol Nascente, uma das maiores favelas da América Latina, a casa da feirante Cíntia Ramos, de 28 anos, tem agora somente a renda de um salário mínimo do irmão para viver. E com ela e o irmão, vivem a mãe, uma irmã e um sobrinho de quatro anos. A maior parte dos rendimentos vinha das feiras feitas por Cíntia, que pararam devido às medidas de isolamento. Para eles, já não tem carne e começou a faltar arroz e feijão.
Ainda na comunidade, o pedreiro Nildemar Pereira Fraga, de 52 anos, conta que está há mais de duas semanas sem receber. Na porta de casa ao lado da mulher, que é diabética, explica que só conta com o salário de uma das filhas (funcionária de uma farmácia) para se manter.
Coordenador do curso de Ciências Econômicas do Centro Universitário Iesb, Riezo Almeida lembra que, além da dificuldade de encontrar esses trabalhadores, o governo é obrigado a seguir um longo rito burocrático para poder liberar o pagamento. “Qualquer transferência, para chegar na ponta, leva tempo, porque nosso país tem muita burocracia”, lembrou.
É por isso que o economista Francisco Menezes, analista de Políticas e Programas da ActionAid, acredita que o governo deveria adotar uma estratégia mais célere, como a busca ativa, que foi usada na implementação do Bolsa Família. “É buscar a partir dos territórios, com o auxílio das prefeituras e dos organismos da sociedade civil que têm contato com esses trabalhadores. Se o dinheiro não chegar logo, vamos ver situações dramáticas em breve”, avisou.