Supletivo promove integração e ajuda brasileiros a completar estudos em Portugal
Os desafios do projeto são tão grandes e diversos quanto a população brasileira em Portugal, que já representa um terço dos estrangeiros no país. Os responsáveis pelo curso estimam que pelo menos 10% dos alunos que passaram pelo programa eram analfabetos funcionais.
“Em alguns casos, eram completamente analfabetos mesmo. Alguns só sabiam desenhar o próprio nome”, diz a coordenadora pedagógica da iniciativa, Rejane Lima. Por isso, o curso também oferece aulas mais focadas no desenvolvimento da leitura e da interpretação de textos.
As aulas são realizadas no período da noite, permitindo que os estudantes conciliem o supletivo com os horários de trabalho.
Ainda que a maioria dos estudantes tenha mais de 30 anos, desde o começo da pandemia se observa um aumento na participação de jovens de 18 (idade mínima) a 23 anos. Muitos dos novos alunos chegaram já adolescentes ao país europeu e não conseguiram se adaptar às escolas portuguesas.
“Aqui eles se sentem mais acolhidos, podem falar das experiências da imigração, dividir vivências”, diz a coordenadora. “Hoje, um dos maiores problemas é o preconceito linguístico com os brasileiros, a discriminação de dizerem que não se fala português no Brasil.”
Ao fim do período letivo -e algumas vezes até antes disso–, os estudantes podem se candidatar a uma seleção de vagas de emprego em empresas parceiras, a maioria nas áreas de turismo e serviços.
Nascido em Petrolina (PE), Leonardo Ribeiro, 23, foi aluno da última turma do supletivo. Em setembro ele conquistou uma dessas vagas, em uma grande rede de hotéis.
Em Portugal desde os dez anos, ele conta que não conseguiu manter os estudos em uma escola portuguesa por vários motivos, incluindo uma forte depressão.
“O curso foi um divisor de águas. Eu estava completamente frustrado em todos os sentidos. Me ajudou a dar continuidade à minha vida –até socialmente, para combater a depressão. Passei a sair de casa, conhecer gente.”
O projeto nasceu em 2013, dentro de uma proposta do Itamaraty, que já desenvolvia algo semelhante no Japão, onde também há uma numerosa comunidade brasileira. A iniciativa foi batizada de Encceja Portugal, em referência à prova do governo federal que garante o certificado: o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos.
Em 2018, porém, o governo brasileiro interrompeu o repasse de recursos para o pagamento dos professores. Desde então, todos os educadores trabalham de forma voluntária.
Embora as aulas aconteçam numa sala de aula moderna cedida pela Universidade Lusófona, em Lisboa, a manutenção das atividades têm custos adicionais. Por isso, em várias ocasiões, a coordenadora acaba colocando dinheiro do próprio bolso.
O valor repassado antes pelo governo nunca foi suficiente para que os profissionais tivessem dedicação exclusiva ao projeto, mas a verba ajudava a pagar a passagem, alimentação e outros gastos relacionados. Além de fotocópias e material de ensino, os estudantes podem consultar livros e reportagens nas aulas. Uma das atividades paralelas desenvolvidas é justamente o chamado letramento midiático, ajudando os alunos a identificar melhor a desinformação disfarçada de jornalismo.
A maior parte do corpo docente de 20 professores é brasileira, mas há também portugueses, um italiano e uma francesa.
“É um projeto que tem o poder de transformar vidas”, diz a coordenadora Rejane Lima, brasiliense radicada há 20 anos em Portugal. Professora de geografia, além das atividades com o supletivo, ela tem ainda outro emprego em tempo integral. “É cansativo, mas recompensador.”
Como o próprio nome do curso revela, a grande meta do projeto é que os alunos consigam o certificado de conclusão do ensino médio através do Encceja. Há três anos, porém, isso não vem sendo possível para quem vive fora do Brasil. Devido à pandemia da Covid-19, a prova de avaliação não era realizada para os brasileiros que residem no exterior desde 2019. Agora, o exame está marcado para este fim de semana.
Questionado pela reportagem, o Itamaraty não informou por que parou de financiar o supletivo em Lisboa nem se há previsão de retomar o pagamento dos professores. Em nota, o ministério se limitou a informar a data de realização do exame.
“O Consulado-Geral em Lisboa será o local de aplicação da prova, assim como nas últimas edições, atendendo a pleito da comunidade local”, completa o texto.
Cerca de 8.000 alunos já passaram pelo projeto. Segundo as estimativas da coordenação, 70% deles conseguiram obter o certificado. Vários estudantes prosseguiram para cursos técnicos e alguns chegaram à universidade.
FONTE CORREIO DO ESTADO