Homenagem a Lourival Ribeiro da Paixão
Série Apito de Ouro – Por Marco Antonio Tavares
Todas as pessoas possuem uma história. Muitas são contadas de forma a dar uma conotação heroica, outras de terror, outras a despertar o carinho e admiração. As nossas, objetiva conhecer alguns personagens que ajudaram a construir um cenário que muitas vezes não são levados em conta, por não serem personagens que mexam com as emoções, que proporcionam choro ou mesmo, convulsões de alegria ou tristeza. Aqui, os envolvidos tem que tratar e conviver com a razão. Construiremos aqui uma série com o verdadeiro APITO DE OURO, onde contaremos histórias de árbitros, como forma a homenagear essas pessoas. E essas histórias deveriam começar assim….era uma vez…
Do alto dos seus 76 anos, mais de 50 vividos no futebol, ele nos recebe em sua casa no bairro Eliane, em Campo Grande – MS, em um bate papo informal, vamos relembrando a sua história no futebol e digo que ele é considerado por muitos como o Pai da arbitragem de MS.
Lourival Ribeiro da Paixão depois de nascer e crescer na fazenda Modelo, próxima a capital, de onde vinha e voltava para estudar no antigo Colégio Estadual, depois Maria Constança de Barros Machado, certo dia, com 17 anos disse ao pai e mãe que aquela vida na fazenda não era pra ele, partiu e se alistou na aeronáutica, vindo jogar futebol no Asa (time de futebol da Base Aérea de Campo Grande).
Já desistindo da carreira de jogador, em 1972 a Federação de Mato Grosso de Futebol trouxe 2 árbitros do Rio de Janeiro pra ministrarem um curso de formação de árbitros e resolve começar a apitar. Naquela época o futebol amador era muito forte e rico e tinha muito investimento, os fazendeiros achavam que futebol dava lucro e colocavam dinheiro achando que iam ganhar mais dinheiro e eu seguia apitando e adquirindo a prática.
Em 1973 veio o profissionalismo e com ele fui indicado para a CBD – Confederação Brasileira de Desporto e minha carreira decolou rapidamente. O Esporte Clube Comercial de Campo Grande disputou a primeira competição nacional. Em minha primeira escala, estava apitando futebol de salão (hoje futsal) no antigo ginásio da UCE e o Cid Pinto chegou lá pra avisar que minha passagem estava à disposição para ir ao Espirito Santo e veio a segunda escala que eu considero que foi ali que me consagrei no apito. Foi no Estádio Moça Bonita, jogo do Bangu x Maranhão, e já era umas 13 horas e o avião do visitante ainda estava sem conseguir pousar, me lembro que os auxiliares eram o Pazim e o Vitor Pinto e quando começou o jogo eu dei tudo que via, de empurrão a sobrecarga, quando terminou o jogo estavam lá Wilson
Lopes que era o Diretor de Arbitragem da CBD, vários árbitros e todos me elogiaram, dali fui galgando carreira até fazer parte do Quadro Especial, que eram os caras que podiam chegar a FIFA, mas sabia que isso era muito difícil de acontecer.
Apitei com muitos árbitros bons, muitos da FIFA. Armando Marques, Wilson Carlos dos Santos, Vanderlei Boschila, Arnaldo Cesar Coelho, Oscar Escofam, Romualdo Arpi Filho e outros. O Armando Marques pra mim era o melhor, mas ele tinha uma coisa que eu não gostava, ele não se misturava com os assistentes, muito estrela, chegava e falava: – vocês sabem o que tem que fazer, não tenho que ensinar nada, a gente só o via na entrada e saída do jogo. Eu valorizar meus auxiliares, nunca deixei meus auxiliares com a bandeira no pau, (bandeira erguida) e se fizesse isso eles que levavam laranjadas nas costas. Agora, eles tinham que acertar também, senão eu que me complicava.
Em 1977 com a divisão do Estado de MT e MS foi criada a Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul, no clube Noroeste em Campo Grande e eu participei dessa reunião de fundação. Como era o árbitro que saia em todo Brasil, fui convidado pelo então presidente eleito Edir Ferrari Paniago a ser o Diretor do Departamento de Arbitragem e aí apitava e cuidava dos demais árbitros.
Em 1982 resolvemos criar um curso para a primeira turma de árbitros do Estado. Vieram o Getúlio Barbosa, Antonio Flavio, Moacir Pinto, Hélio Correia o Colman e as primeiras mulheres, Elza e Jane.
Pausa pro café enquanto recapitulamos as datas, pergunto se ele é considerado por todos o pai da arbitragem, qual foi o seu melhor aluno, ou, qual o filho escolhido? Paixão dá uma risadinha e solta direto, com mais talento Moacir Pinto Barbosa e o mais competente Getúlio Barbosa. Explica, quando fui parar de apitar, o Wilson Lopes me pediu para indicar alguns novos para compor o quadro, ele foi o que melhor aproveitou a oportunidade, isso foi em 1986.
“Paixão foi meu mestre e incentivador, inclusive quando resolvi desisti logo no início da carreira ele foi me procurar e trouxe de volta para a arbitragem e ai pude construir minha carreira. Apesar de ser muito duro, ele sabia liderar e dar exemplo, e confesso que acreditava não ter talento nenhum, mas ele com sua experiência militar viu em mim um cara disciplinado e com potencial. Então acredito sim que ele seja o pai de toda nossa arbitragem” afirma Getúlio Barbosa.
O árbitro que não tiver histórias pra contar, não participou de nada. Certa vez fui apitar em Dourados, Cad x Corumbaense e meus auxiliares eram o Vitor Pinto e o Mario Benites, no mês de julho, frio pra caramba no estádio da Leda. O jogo foi 0x0 e quando estávamos prontos pra trocar de roupa escutamos a porta estourar e eram muitos torcedores invadindo o vestiário, o paraguaizinho pulou pra mala dele e pegou o berro e mandou bala, não ficou um corajoso e um dos torcedores era o Dr. Jairo, depois virou Juiz de Direito e Desembargador, inclusive até furaram o pneu do carro do Zamlutti, que era o Presidente da Federação. Fomos pra delegacia e registramos o BO. Chegando em Campo Grande, o Cid Pinto Barbosa que era o delegado fez um relatório muito bem feito e esse povo ficou 6 meses sem poder frequentar os jogos.
Outra escala, no Campeonato Mato-Grossense, jogo em Fátima do Sul entre o 21 de Abril x União de Rondonópolis, tinha como Auxiliares (hoje assistentes) o Vitor Pinto e Clemente Machado com o Dinamérico como regra 3 (hoje quarto árbitro) e Cid Pinto Barbosa o Delegado da CBF. Estávamos no vestiário e lá chegou o médico do 21 de Abril, posteriormente vindo a ser um líder político influente no Estado de MS, e perguntou como que estávamos, na hora respondi que não tinha agua gelada e nem laranja, naquela época não tinha esses energéticos, e ele ficou de providenciar. Quando voltou ele mandou na lata: “os homens mandaram R$ 3.000,00 pra vocês ajeitarem o jogo”; me lembro como se fosse hoje, o Vitor pegando ele pelo pescoço, e como erámos militares tínhamos 3 revolveres em cima da mesa, ele conseguiu se soltar e saiu correndo. Chamei o Cid Pinto, que era o representante da CBF contamos pra ele e que ali não ia ter mais jogo, que voltaríamos para Campo Grande. Em seguida surgiu Prefeito, Vereador e um monte de autoridade, mas no meio deles tinha um japonês de terno branco e um chapeuzão e foi ele que disse que poderíamos fazer o jogo que ele garantia a nossa segurança, e no final ele era o delegado de polícia da cidade. Conversamos entre nós e resolvemos dar o jogo que no primeiro tempo terminou 0x0 e no segundo o União meteu 5×0 neles. No final os torcedores surraram seus próprios jogadores e sei que essa confusão toda foi parar no STJD da CBD.
Naquela época a maior divulgadora do futebol era a Revista Placar. Então todas as escalas eram publicadas lá e quando você chegava pra apitar os torcedores sabiam tudo sobre os árbitros. Como eu saia em muitas escalas eu levava sempre o Pazim e o Vitor e eles foram crescendo junto. Mas tínhamos bons apitadores, além desses dois, o Valdomiro de Oliveira, Clemente Machado, Wilson de Aquino, Dinamérico, Eliezer, Alpineu Ramão, esse era um baita juiz de futebol, como ele mesmo se denominava. Mas infelizmente não lembro quantos Comerários eu atuei, sei que tenho guardado uma caixa com mais de 50 placas de congratulações de melhor, mas melhor é difícil de afirmar ser. Hoje está bem mais fácil apitar. O árbitro não manda mais, vai dar um gol tem que esperar o var, tem um gol impedido recebe negativa do var, ele tem é que tomar a decisão, certa ou errada e ai se toma, nunca mais apita, fica na geladeira, ou vira malandro, leva na maciota e acaba bem em todas as situações.
Logo na divisão do Estado de MS e MT, em 1977, fui escalado pra fazer um jogo em Cuiabá – MT, no estádio Nicolau Fragelli (Verdão) entre Operário de Várzea Grande x Operário de Campo Grande, uma rivalidade terrível. Cheguei lá os bandeiras eram locais, jogo prestigiado pelo Governador Garcia Netto e um monte de políticos. Gonçalves ponta direita meteu a bola e o Vargas que já estava impedido meteu na gaveta do Rui, olhei pro bandeira e nada, eu meti uma carga no goleiro e anulei o gol. Virou uma bagunça só, quebraram tudo e pela primeira vez eu sai de camburão e fui dormir no Corpo de Bombeiros, mas na verdade eles estavam bravos com a divisão do Estado.
Apitei no Brasil inteiro, mas um estádio que não atuei foi no Morumbi. Acredito até hoje que o árbitro deve ser um disciplinador. 80% do jogo ele leva na disciplina, não na falta de educação, esse negócio de xingar o jogador não funciona. Diz logo pra eles que você é quem manda e pronto. Ele é a figura central do jogo, se posicionar bem, estar próximo as jogadas e acima de tudo conhecer e interpretar a regra de jogo. Se não dominar tudo isso, o jogo saiu da sua mão.
Depois que encerrei a carreira, estiveram em casa dois diretores para me contratar como diretor de futebol, eu conhecia os dirigentes do Brasil todo. O Ademir Pinto do EC Comercial e o Ari Rodrigues do Operário FC, e naquela época fui logo dizendo que de graça não tinha interesse, mas o Galo mandou uma diferença satisfatória e então fui ser diretor de futebol por mais alguns anos.
Parei em 1986, encerrando a carreira apitando um Comercial x Operário e até hoje me vejo apitando. Assisto os jogos e não me preocupo muito com os lances, apenas analiso o árbitro, seus erros e acertos. Hoje ficou fácil apitar. O difícil é assistir o árbitro perder o domínio do jogo, continuo um disciplinador.
Fonte: Mtaveres