Lei Maria da Penha completa 18 anos ainda com desafios para sua aplicação

| Créditos: Foto: Correio Otacilience

 

A Lei Maria da Penha completa 18 anos nesta quarta-feira (7). Especialistas ouvidos pela CNN dizem que as principais dificuldades que acabam retirando a eficácia dela não estão presentes na legislação, mas no Judiciário.

Batizada em referência à farmacêutica cearense que sobreviveu a duas tentativas de assassinato cometidas pelo então marido, a lei 11.340/2006 estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime.

Esses crimes devem ser julgados nos Juizados Especializados de Violência Doméstica contra a Mulher, criados a partir dessa legislação.

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Além dessas alterações, a lei também trouxe outras mudanças:

a tipificação das diversas situações de violência doméstica (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral);
a proibição da aplicação de penas pecuniárias aos agressores;
a ampliação da pena restritiva de liberdade de um para até três anos de prisão;
a concessão de medidas protetivas de urgência;
o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social.

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De acordo com Marina Ganzarolli, advogada especialista em gênero e presidente do Me Too Brasil, organização que atua contra o assédio e o abuso sexual, a legislação continua tendo fundamental importância no Brasil, pois ainda predomina no país uma perspectiva machista e patriarcal.

“O companheiro tem a percepção de controle e posse da mulher, da vida dela, do corpo dela e assim acredita que pode fazer com ela o que entender”, afirma.

Dezoito anos atrás, a sociedade brasileira ainda possuía a percepção de que era um problema de família, daquele lar, daquela mulher. Era aquilo do ‘em briga de marido mulher, não se mete a colher’. A Lei Maria da Penha conseguiu mudar isso, ao trazer luz para o fato de que não é um problema privado, mas de segurança e saúde públicas e que, portanto, em briga de marido mulher se mete a colher, sim

Marina Ganzarolli
Segundo dados do Mapa da Violência, na comparação mundial, o Brasil é 5º país com a maior taxa de feminicídios – que são os assassinatos de mulheres em razão da condição feminina.

Antes da criação da Lei Maria da Penha, muitos casos eram tratados como crimes de menor potencial ofensivo, tendo como penas, por exemplo, o pagamento de cestas básicas. A legislação contribuiu para dar mais visibilidade a esses crimes e gerar uma nova mentalidade.

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Histórico da lei
A legislação foi criada após a condenação do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), por omissão no caso Maria da Penha.

Está entre as três leis desse tipo consideradas mais evoluídas em todo o mundo. Diversos países desenvolvidos, como Portugal, não contam com uma legislação parecida.

O texto foi consequência de um longo processo de discussão. Foram realizadas audiências públicas nas cinco regiões do país, que contaram com participação de entidades da sociedade civil e parlamentares.

O resultado dessa discussão foi aprovado no Congresso Nacional e entrou em vigor em 22 de setembro de 2006.

Após a implementação da lei, outras medidas relacionadas surgiram, entre elas:

a criminalização do feminicídio, em 2015;
a inclusão da violência psicológica contra a mulher como uma forma de violência doméstica, em 2021;
a garantia de pagamento de pensão para os órfãos de mulheres vítimas de feminicídio, em 2023.
Desafios à aplicação
De acordo com especialistas, as principais dificuldades que acabam retirando a eficácia da Lei Maria da Penha estão presentes não na legislação, mas, sim, no Judiciário, que ainda é resistente à aplicação da lei.

Beatriz Vendramini Rausse, advogada especialista em Direito das Mulheres e Minorias, diz que muitos estados ainda não possuem Juizado de Violência Doméstica e Familiar, então os casos acabam sendo tratados por profissionais sem perspectiva de gênero, o que pode perpetuar estereótipos e gerar revitimização.

Segundo a advogada, outra dificuldade é que muitos juízes ainda vinculam a concessão de medidas protetivas à denúncia criminal. Pela lei, esses dispositivos devem existir diante do risco à integridade da mulher, independentemente do boletim de ocorrência ou de uma ação judicial contra o agressor.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve se manifestar em breve sobre essa questão das medidas protetivas, pois existem ações sobre o tema pendentes de julgamento no tribunal.

Ao longo dos anos, a lei também sofreu questionamentos quanto à constitucionalidade por parte de comarcas e tribunais do país. Hoje, existe o entendimento de que a questão está pacificada por decisão da última instância do Judiciário.

“O Supremo Tribunal Federal (STF) já determinou que a lei é constitucional, não havendo mais argumentos para prosseguir com esses questionamentos”, afirma Beatriz.

Conheça outras alterações trazidas pela Lei Maria da Penha:

determina que a violência doméstica contra a mulher independe de sua orientação sexual;
a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz;
possibilita ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher;
permite que o juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação;
caso a violência doméstica seja cometida contra mulher com deficiência, a pena será aumentada em um terço;
permite prisão do agressor em flagrante;
o juiz do juizado específico terá competência para apreciar o crime e os casos que envolverem questões de família (como pensão, divórcio e guarda de filhos).

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