Em cidade de MS, amizade com políticos coloca promotores sob suspeita e adia investigação

Em Nova Andradina, cidade localizada a 300 quilômetros de Campo Grande, os moradores estão se sentindo desmotivados em fiscalizar o uso de recursos públicos. A frustração acontece porque os três promotores de Justiça lotados na cidade têm se declarado suspeitos diante de denúncias que envolvem a administração municipal por serem amigos da cúpula da prefeitura.

Com isso, qualquer investigação sobre suspeita de ato de corrupção, atribuição e razão de ser do MPMS (Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul), acaba sendo encaminhado para outra comarca. E os promotores da cidade acabam sempre declarando suspeição em razão dos laços de amizade com o executivo municipal.

Um exemplo de que essa prerrogativa utilizada pelos promotores tem prejudicado o ato de cidadania da população é a obra de recapeamento do aeródromo da cidade, que não estaria obedecendo às normas estabelecidas em lei. O caso foi denunciado por um militar da reserva no dia 16 ao promotor Alexandre Rosa da Luz, da 1ª Comarca de Nova Andradina.

No documento protocolado, o militar ressalta pontos que considerava como importantes e que foram desconsiderados pelo Município. Entre elas, a ausência da placa de identificação. “Em toda obra pública é obrigatório a colocação de placa informando dados básicos, como valor, origem do recurso,  data de início e duração da obra” e que segundo ele, atende ao princípio da transparência.

O denunciante também relatou que não constatou a construção de sanitário, vestiário e refeitório no canteiro de obras, itens que estavam previstos na licitação e, que segundo ele, se não havia a necessidade dos mesmos, “deveria ter sido retirado da licitação, e assim reduzido o valor global da obra”, ponderou o militar.

No entendimento do denunciante, a outra irregularidade está diretamente relacionada à recuperação da pista, que previa a aplicação de microrevestimento a frio, com emulsão modificada, com polímero de um 1,5 cm. “Fiz diversas medições ao longo da pista e nenhuma delas atingiu a espessura mínima de 1,5 cm, logo a obra foi executada fora da especificação”, relatou.

Suspeições e atraso

A reportagem apurou que somente no dia 20 de abril o promotor Alexandre Rosa da Luz assinou despacho dando ciência sobre o caso. “Ciente, mas me dou por suspeito para atuar na presente representação, na forma do art. 145, §1º, do CPC, oficiando-se ao e. CSMP para conhecimento. Após, encaminhe este protocolo ao substituto automático, comunicando as providências ao requerente e certificando em seguida”.

A declaração de suspeição em seguida foi comunicada ao ainda Procurador-Geral de Justiça e Presidente do CSMP, Paulo Cézar dos Passos (Ofício n.º 0163/2020/01PJ/NDI.), em 22 de abril. Os mesmos procedimentos foram repetidos pelo promotor de Justiça do Patrimônio Público, Paulo Leonardo de Faria (Ofício nº 0068/2020/02PJ/NDI), no dia 29 de abril.

Já a declaração de suspeição do promotor da 3ª Promotoria de Justiça, Fabrício Secafen Mingati (Ofício nº 0031/2020/03PJ/NDI), no dia 05 de maio, foi encaminhada ao novo Procurador-Geral de Justiça e Presidente do CSMP, Alexandre Magno Benites de Lacerda, que assumiu o lugar de Paulo Cézar dos Passos .

O promotor de Justiça Alexandre Rosa Luz, que já havia se declarado suspeito na denúncia  apresentada  na Promotoria de Justiça de Nova Andradina sobre possíveis irregularidades na obra da ponte sobre o Córrego Umbaracá, já não responde mais pela  1ª  comarca do município. Ele foi removido para Rio Brilhante.

Laços de amizade

Em nota, a ASMMP (Associação Sul-Mato-Grossense dos Membros do Ministério Público) esclarece que o Promotor de Justiça Alexandre Rosa Luz foi removido, a seu próprio pedido, para a 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Rio Brilhante/MS, não havendo qualquer relação entre tal mudança e a suspeição por ele declarada em representações recebidas no exercício de sua função.

A ASMMP  também afirma que o instituto da suspeição consiste em ato voluntário do membro do Ministério Público ou do Magistrado quando identificada hipótese de proximidade com uma das partes ou qualquer outra questão de foro íntimo, sem necessidade de declaração de razões, conforme previsto no art. 145, §1ª, do Código de Processo Civil.

Ainda sobre a suspeição, a ASMMP também explica que ‘’trata-se de instrumento que visa exatamente garantir a lisura da atuação do Membro do Ministério Público ou do Magistrado, não podendo ser confundido com ausência de atuação ou impunidade.

A Associação também ressalta  que em “relação às representações recebidas e que envolveram, direta ou indiretamente, o atual Secretário de Obras do Município de Nova Andradina/MS, os Promotores de Justiça de Nova Andradina/MS, por possuírem com este relação de amizade muito anterior a sua nomeação ao cargo, optaram por, voluntariamente, não atuar nesses casos, declarando sua suspeição”.

Por fim, a nota,  que é assinada pelo presidente  da ASMMP, Romão Ávila Milhan Júnior,   conclui que “os promotores de Justiça de Nova Andradina/MS reiteram que suas ações são exclusivamente pautadas na estrita legalidade e reafirmam seu compromisso na defesa intransigente dos interesses públicos e sociais e na salvaguarda de direitos constitucionalmente consagrados.

Procurado pelo reportagem, o secretário de Obras de Nova Andradina,  Júlio César Castro Marques explicou que não existe nenhuma irregularidade quanto aos procedimentos adotados pela pasta em relação à reforma do aeródromo e que todas as denúncias feitas foram investigadas, sem  que nada de ilícito tenha sido comprovado. “Eu não fiz nada de errado que está acontecendo é tudo público”, disse Júlio César.

Sobre as declarações de suspeição dos promotores, o engenheiro afirmou que isso é um procedimento coerente do Judiciário e que é preciso deixar que existem duas coisas distintas. “Uma é dar como impedido e a outra é não ter fiscalização. Eles se declararam impedidos, mas passaram para outro colega que não tem contato comigo, como todo procedimento entre o Ministério Público e o Município”.

O secretário de Obras também disse que eles não fizeram nenhum arquivamento e nem deixaram de cumprir o trabalho deles. “Não estou falando que isso está certo ou errado. Mas eu também não sou condenado do jeito que estão colocando. A gente tenta trabalhar aqui com tanta austeridade, tentando fazer o bem para o munícipio e para a população. Ninguém aqui tá fazendo nada de errado, ninguém é bandido”.

“Estamos tentando fazer o melhor trabalho possível. O nosso trabalho aqui na secretária é técnico. Não sou político e nem tenho partido político. O meu trabalho é técnico. Eu sei que estou num cargo político. Mas eu sou um técnico”, reafirmou o secretário de Obras da prefeitura de Nova Andradina.

Em relação aos laços de amizade existente entre ele e os três promotores, o engenheiro enfatizou  que essa ligação é anterior ao cargo que ocupa e que isso não tem nenhuma interferência.  “Até porque nós já éramos amigos bem antes. Aí pegaram uma foto de 2016 e publicaram”. Segundo ele, a cidade é pequena e todo mundo se conhece. “E eu nunca tive favorecimento nenhum por causa disso. Até porque a gente nunca conversou de trabalho”, reiterou o secretário.

No entendimento de Julio César,  é preciso saber dividir as coisas. “O que é certo é certo. A verdade, a honestidade… E se eu não fosse um cara correto, um cara honesto, eu não teria amizade com eles. E se você levantar o histórico do Dr. Alexandre e o Dr. Fabrício (promotores)… Os caras são íntegros. E pra você ver, o Dr. Fabrício cassou o prefeito que eu trabalho. Foi ele que entrou com a ação e isso não foi falado entendeu”, defendeu o secretário.

Nova comarca

Diante das declarações de suspeição de todos os promotores responsáveis pelas três comarcas de Nova Andradina, a representação contra a prefeitura foi encaminhada para Batayporã. O caso passou então a ser acompanhado pela promotora Bianka M. A. Mendes,  que em 18 de maio deu início às apurações e no dia seguinte, notificou o prefeito José Gilberto Garcia.

Em documento enviado à promotora de Batayporã, o prefeito de Nova Andradina justificou que a obra do aeródromo iniciada em 29 de janeiro de 2020 já tinha sido concluída em 31 de março e que as provas (fotos e vídeos) apresentadas pelo denunciante fora colhidas quando a reforma  ainda estava em andamento.

“Denota-se que as denúncias realizadas (…) são infundadas, pressupondo inclusive a má-fé (ir à obra antes de seu término e afirmar em seu vídeo disponibilizado no Youtube”, respondeu o prefeito, pedindo inclusive, que a promotoria investigasse se o denunciante havia transgredido alguma norma penal.

Em despacho datado de 08 de junho, a promotora de Batayporã  afirmou que “visando prestigiar a atuação da Procuradoria Municipal do Município de Nova Andradina tem-se que, nesse momento, a melhor solução é o encaminhamento dos autos, para análise quanto a eventual lesão ao erário em decorrência da má prestação de serviços pela empresa contratada”.

Ela também indeferiu o pedido de investigação contra o denunciante, que foi sugerido pelo prefeito Nova Andradina, por entender que a  peça protocolada no Ministério Público pelo cidadão atende ao que se chama direito de petição, previsto na CF/88.

“Ante ao exposto, conforme entendimento devidamente fundamentado na doutrina e jurisprudência, promove-se o arquivamento da presente Notícia de Fato, sem prejuízo de seu desarquivamento se sobrevierem”, concluiu a promotora.

“Esse jogo de empurra-empurra acaba dando tempo para que os maus políticos consigam fazer remendos nas irregularidades e no final das contas fiquem se colocando como paladinos boas ações e de que são  fiéis cumpridores de sua funções públicas”, diz um morador da cidade.

“Confesso que essa história de amizade entre os políticos e os promotores da cidade me deixou bem desanimado. O será de nós daqui de agora em diante?  Sei que isso foi um balde água para todos nós que não concordamos com coisas erradas. Espero que o próximo promotor não tenha nenhuma ligação com nenhum membro da administração municipal por que não podemos ficar desamparados”, revelou o militar aposentado à reportagem.

Além da ASMMP, a reportagem do Jornal Midiamax também pediu esclarecimentos ao MPMS, à Ouvidoria do MPMS e também à PGJ (Procuradoria Geral de Justiça de Mato Grosso do Sul), que por meio da assessoria de comunicação, reiterou o teor na nota divulgada pelos promotores.

A reportagem também apurou que na terça-feira (25), antes de deixar a cidade,  o promotor de Justiça Alexandre Rosa Luz Promotor participou de sessão da Câmara de Vereadores, onde sua atuação foi destacada por meio de Moção de Parabenização pelos relevantes serviços prestados no exercício da função. A homenagem foi assinada por todos os parlamentares.

Na última quinta-feira (27) a Sétima Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Nova Andradina rejeitou, quase que por unanimidade,  uma moção de apoio ao promotor. Entretanto, o presidente da OAB local, Ilson Cherubin usou as redes sociais para enaltecer a atuação de Alexandre, pela sua “relevância e lisura”.

fonte: midiamax

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