E a pandemia? Reunião ministerial teve mais palavrões do que citações ao coronavírus

Ouso de palavrões pelo presidente Jair Bolsonaro e por parte de sua equipe ministerial não chega a chocar quem acompanha as notícias do Planalto, mas chama a atenção na transcrição da reunião ministerial de 22 de abril que há mais xingamentos do que menções a uma crise de saúde pública que, àquela altura, já havia matado quase 3 mil brasileiros.

Uma contagem dos palavrões e termos de baixo calão usados pelo presidente Bolsonaro e o conselho de ministros mostra que foram 37 vocábulos do tipo.

A maior parcela foi dita por Bolsonaro. ele citou sete vezes a palavra “bosta”; cinco o termo “merda”; quatro, “putaria”; duas, “puta que o pariu”; e “porra” e “cacete”, uma vez cada.

O uso dado pelo presidente aos termos predominou sobretudo em cobranças aos ministros, como por mais defesa do governo.

“Eu quero ter paz no Brasil, mais nada. Porque se for a esquerda, eu e uma porrada de vocês aqui têm que sair do Brasil, porque vão ser presos. E eu tenho certeza que vão me condenar por homofobia, oito anos por homofobia. Daí inventam um racismo, como inventaram agora pro [Abraham] Weintraub [ministro da Educação] Desculpa, desculpa o … o desabafo: puta que o pariu! O Weintraub pode ter falado a maior merda do mundo, mas racista? Vamos ter que reagir pessoal, é outra briga”, afirmou durante a reunião, referindo-se ao imbróglio diplomático criado pelo ministro com a China.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, também usou o mesmo linguajar, só que com menos frequência. O chefe das finanças repetiu “foder” por três vezes e “porra” uma.

“Aquilo não atrapalha ninguém. Deixa cada um se foder. Ô Damares [Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos]. Damares, Damares,deixa cada um… Damares, Damares… O presidente, o presidente fala em liberdade. Deixa cada um se foder do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário. Deixa o cara se foder, pô”, disse, ao defender expansão do turismo, e sendo quase explícito ao endossar turismo sexual.

O presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, lançou voz por três vezes do termo “porra”. Usou, por exemplo, o termo “porra” ao reclamar de punições ao descumprimento do isolamento social. “O Luiz Lima, que nadou com meu pai, foi atleta olímpico, teve a esposa e a filha de 14 anos presa ontem, no camburão. Que porra é essa?”, questionou.

E a pandemia?

Na reunião, termos usados para identificar a doença que assola o mundo foram usados 22 vezes, sendo oito vezes a palavra “coronavírus”, sete vezes a palavra “covid” e sete a palavra “vírus” isolada, mas como referência ao novo coronavírus.

Das oito citações nominais ao coronavírus, quatro foram feitas pela ministra Damares Alves na passagem em que a titular dos Direitos Humanos prevê a possibilidade de alguém pleitear a possibilidade de aborto para mulheres como coronavírus, algo que nunca aconteceu.

A palavra também é citada pelo chefe da Casa Civil, Braga Neto, que falava sobre o programa de retomada econômica Pró-Brasil “em resposta aos impactos relacionados ao coronavírus”.

Já o chanceler Ernesto Araújo a cita no contexto da previsão de uma “nova ordem mundial” no “pós-coronavírus”. A ministra da Agricultura e Pecuária, Tereza Cristina, também cita o coronavírus no mesmo contexto, do planejamento para o pós-pandemia.

A palavra “Covid” é preferida pelo ex-ministro da Saúde Nelson Teich, para falar da pandemia. Ele é autor de cinco das sete citações que aparecem na transcrição da reunião e o único que fala sobre tratar a doença (e de outros males da sua área). “O que que tá acontecendo hoje? Vamos botar em números hoje, que a gente tenha quatro milhões de pessoas hoje com a Covid. Brasil hoje tem duzentos e doze milhões de pessoas. Tem duzentos e oito milhões que não estão tendo atenção necessária. É câncer, cardiovascular…”, discursou ele em um dos momentos do encontro.

As outras duas citações foram feitas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no momento em que ele falava de aproveitar a pandemia para flexibilizar regras de proteção ambiental. Ele falou ao presidente em reunir “esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.

“Nós temos a possibilidade nesse momento que a atenção da imprensa tá voltada exclusiva… quase que exclusivamente pro Covid”, reforçou.

Vírus

Todas as sete citações ao coronavírus apenas com a palavra “vírus” vieram do presidente Bolsonaro, nenhuma delas falando sobre a gravidade do problema, que já tinha matado 2.924 brasileiros até então.

Bolsonaro fala do “vírus” para reclamar de uma nota de falecimento de servidor da Polícia Rodoviária Federal (PRF); da saída de presos da cadeia tendo a doença como justificativa e para atacar seus adversários políticos.

“O que esses caras fizeram com o vírus, esse bosta desse governador de São Paulo, esse estrume do Rio de Janeiro”, vociferou o presidente em um ponto. “Aproveitaram o vírus, tá um bosta de um prefeito lá de Manaus agora, abrindo covas coletivas”, disse em outro.

Duas citações são para lamentar o processo que pedia a apresentação dos exames que Bolsonaro fez para detectar o coronavírus. “Isso tem aí OAB da vida, enchendo o saco do Supremo, pra abrir o processo de impeachment porque eu não apresentei meu, meu exame de… de… de… de vírus, essas frescurada toda”, disse o presidente.

A última citação foi em uma espécie de previsão apocalíptica que o presidente fez a seus ministros: “O nosso barco tá indo, mas não sabemos ainda, no momento dado o último caso, esse vírus, pra onde tá indo nosso barco. Pode tá indo em direção a um iceberg. A gente vai pro fundo”.

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