A pandemia e o aumento dos casos de violência doméstica e familiar contra mulheres

O cenário pandêmico e o novo ‘normal’, por assim dizer, tem modificado a forma como as pessoas se relacionam nas diferentes áreas da vida, como por exemplo, profissional, escolar, lazer, esporte, viagens, família, entre outras. Espera-se das pessoas ‘cautela e adaptação’ frente aos desafios do dia a dia, sempre com os olhos fitos na vida, nosso bem maior.

O inimigo invisível é impiedoso e não escolhe suas vítimas. A pandemia continua ceifando vidas de crianças, adolescentes, adultos e idosos. Se tornou imperioso o distanciamento social, o uso de máscaras e a higienização constante das mãos e objetos com álcool em gel. Das notícias jornalísticas extraímos que o coronavírus alastrou-se pelo mundo e que não tem prazo para acabar, vez que ainda inexistente a cura efetiva para a doença.

Diante da recomendação de afastamento social pelas autoridades de saúde, bem como da consequente crise econômica financeira mundial, as pessoas estão passando a maior parte do tempo em suas casas. Esse isolamento social fez com que houvesse um aumento exponencial dos casos de violência doméstica contra a mulher.

De acordo com o segundo monitoramento “Um Vírus e Duas Guerras” realizado por sete veículos de jornalismo independentes em parceria, 497 mulheres foram vitimadas pelo feminicídio durante a pandemia no Brasil. Os resultados demonstram que a média de mortes é de uma a cada 9 (nove) horas, dados que causam indignação e preocupação acerca do tema.

Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, do Governo Federal, a violência doméstica e familiar é a principal causa de feminicídio no Brasil e no mundo. Trata-se da violência que mata, agride ou lesa a mulher. Esse tipo de violência pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive por outra mulher, que tenha uma relação familiar ou afetiva com a vítima. Pode ser o marido, o companheiro, pai, mãe, tia ou até mesmo o filho. Assim, os agressores geralmente moram na mesma casa que a mulher em situação de violência.

Com o objetivo de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra à mulher, o legislador brasileiro criou a Lei Federal n. 11.340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, a qual possui mecanismos que coibem e previnem à violência doméstica e familiar contra à mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, bem como estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Da referida lei verifica-se 5 (cinco) formas de violências, as quais merecem explicação ainda que brevemente. São elas:

a) Violência física – qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal da mulher. Ex.: cortar, queimar, ferir, chutar, apertar;

b) Violência psicológica – qualquer conduta causadora de danos emocionais e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Ex.: ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição insistente, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

c) Violência sexual – qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

d) Violência patrimonial – qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

e) Violência moral – qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria contra a mulher. Ex.: xingar diante dos amigos, acusar de algo que não fez e dizer coisas inverídicas sobre a mulher aos outros.

O impacto da violência na vida de uma mulher se reflete em traumas e doenças, como gravidez indesejada, transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (IST), estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, podendo levar até mesmo ao suicídio.

Sendo assim, é importante que a sociedade tome conhecimento dos mecanismos de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, como por exemplo a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, que funciona 24h por dia, durante sábados domingos e feriados, sendo um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra a mulher. Além de receber denúncias de violações contra as mulheres, a Central encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos.

Este mesmo serviço também possui atribuição de orientar mulheres em situação de violência, direcionando-as para os serviços especializados da rede de atendimento. No Ligue 180, ainda é possível se informar sobre os direitos da mulher, a legislação vigente sobre o tema e a rede de atendimento e acolhimento de mulheres em situação de vulnerabilidade.

Além disso, as denúncias podem ser feitas também pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil e Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos (ONDH) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), responsável pelo serviço. Além desses canais pode também a mulher vítima de violência procurar ajuda em qualquer Delegacia de Polícia ou uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) nos locais onde exista.

Em Campo Grande – MS, assim como em outras capitais, encontra-se em funcionamento A Casa da Mulher Brasileira desde 2015, que objetiva o enfrentamento à violência contra a mulher, com foco no atendimento humanizado a esse público tão hostilizado. No mesmo espaço podem ser encontrados serviços especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres: acolhimento e triagem; apoio psicossocial; Delegacia; Juizado; Ministério Público, Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica; cuidado das crianças – brinquedoteca; alojamento de passagem e central de transportes.

Há também em nosso estado o Programa ”Mãos EmPENHAdas Contra a Violência”, uma iniciativa do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que visa disseminar informações sobre o fenômeno da violência doméstica e familiar contra a mulher e dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência, por meio de parcerias com profissionais da área da beleza, inclusive salões de estética masculina e barbearias.

O Programa capacita esses profissionais para que sejam agentes multiplicadores de informações no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, identificando e orientando às clientes como combater e denunciar os abusos. Os estabelecimentos que aderem ao projeto recebem um “Selo” para identificação de sua parceria.

Dessa forma, como existem diferentes estabelecimentos participantes do Programa espalhados pela capital, pode a vítima de violência doméstica buscar ajuda nestes estabelecimentos parceiros a fim de que seja rompido o ciclo da violência.

Ademais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em conjunto com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) promoveram a campanha “Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica”. A orientação é simples, basta a vítima marcar na palma de sua mão um X vermelho (com uma caneta ou batom por exemplo) e mostrar para o atendente da farmácia. A ação vale para às farmácias de todo o país e tem por objetivo incentivar às vítimas a denunciarem as agressões sofridas, pois é sabido que, nas inúmeras vezes, seja por medo, vergonha ou até mesmo por estarem sob constante vigilância, às vítimas possuem dificuldade em denunciar.

Portanto, diante da velha e ultrapassada frase ‘em briga de marido e mulher ninguém mete a colher’, devemos meter a colher SIM, denunciando sempre que tivermos conhecimento de violências praticadas contra mulheres com o objetivo de proteger sua integridade e a sua vida.

Texto: Amanda de Barros Figueiredo e Bruno da Conceição de Freitas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.